Não sei se faria o mesmo a algum igual. Nem a mim mesmo

Hipócrates afirmou nos idos de 370 antes de Cristo: “ não tenha planos de saúde, tenha saúde sem planos”. E mais: “ que seu alimento seja seu remédio”. Entre outras tantas: “aliviar a  dor é obra divina”, “a arte é longa, mas a vida é breve”, “ os jovens de hoje não parecem ter respeito algum ao passado nem esperança alguma para o porvir”.

Até parece que nunca fui jovem. Montado nos meus quase sessenta e oito anos, entre desenganos e frustrações enormes, entre alegrias e datas felizes, navego nem sempre em águas serenas e cristalinas. Ora meu mundo gira conforme os ponteiros dos relógios. Ora se move pra trás. Contrariando o bom senso. E quem diz que o bom senso, a sobriedade, deve sempre imperar no império dos humanos logrado se torna. O que seria da humanidade desumana sem a louquice titânica que abunda pelos mares sem bunda? Que palavra linda é a tal de bunda! Quando ouço traseiro, derrière, bum bum, popô, nessa mídia idiota que apenas pensa atingir os socialites, lanço mão do meu Blootooth ligado ao Spotify, muitos pensam que tal engenhoca usada para escutar melhor é tudo, menos um ingênuo fone de ouvido. Que me permite selecionar os ditos. Já que os escritos são mais fáceis de selecionar. Basta escolher um bom livro. Tenho dito.

Experiências fecundas me trazem tantos casos de um mil novecentos de setenta e quatro até os dias de hoje.

Quando fiz, junto a outros mais de cento de sessenta colegas, naquela faculdade onde se gradou JK  e tantos outros notáveis discípulos de São Lucas, nossa data é celebrada no dia dezoito próximo, as coisa não eram tão felpudas como agora acontece.

Não havia planos de saúde. Eram os pacientes pacientes ou oriundos da classe pobre, os não pagantes, ou os mais aquinhoados pela sorte, que nos pagavam sorridentes, depois do serviço prestado. Ainda me lembro, olhos lacrimejantes, de quando no meu ex-consultório aparecia um Zé Mané qualquer, ou Tião Capão, para se operar da próstata, não da hemorroida, como se confunde por vezes, já que as doenças ano retais não fazem parte da minha cantilena, e sim da proctologia, e me trazia além do pago em dinheiro vivo, escondido debaixo do colchão cheirando a mofo,  ovos caipiras, galinhas boas de choca, pintinhos amarelinhos, e eu os tratava com a mesma lhaneza de trato. Fossem não pagantes ou endinheirados. Assim que a porta da frente se fechava, dela saindo um indigente, logo entrava um coronel, deixando o lobisomem a sua espera.

Bons idos anos eram eles… Não seria demais repetir, que eles não voltam mais.

Ontem, de volta de uma região perto de Varginha, onde parte dos Abreus se reuniam, já que os Rodartes ficaram por aqui, entre eles o último dos Abreus da velha safra, o irmão de meu saudoso pai, Alberto José de Abreu, nome recebido do meu avô, vive nos descontos, esbanjando lucidez do alto dos seus quase cem anos, o único capaz de ajuntar tanta gente, em sua aprazível chácara, na hoje quase seco lago de Furnas.

Uma vez de volta meu celular tilintou. Era uma voz assaz conhecida. De um pedreiro especialista em telhado. Pena que no meu ele não da conta de recolocar as telhas cabelos. Agora reduzida a uma calva luzidia, quase uma bola de bilhar. Sem correr no feltro verde da própria mesa.

Foi quando escutei, coração aos saltos, que meu amigo Del Rey, cão pastor alemão, que logo vai falar alemão, como eu, não estava nada bem.

Fizemos a viagem de volta com o coração em batimentos acelerados. Em menos de uma hora já estava por aqui. Nem bem adentrei em minha casa e logo fiz uso do celular para que um baita médico  dos animais, velho conhecido, doutor Daniel Lacreta, nos acudisse de pronto.

O pobre estava às turras com uma cesariana não sei se em bovinos ou noutra espécie, ali pertinho, em Ijaci.

Já perto da cidade do cimento não mais pude fazer contato com doutor Lacreta. E acabei indo só. Já imaginando o pior.

Lá chegando o mestre com a colher de pedreiro nas mãos, o velho Mario, hábil construtor de fogões a lenha, e churrasqueiras, já estava de prontidão. Partiu dele a informação que meu cão não estava nada bem.

Cães que ladram não mordem. Enquanto ladram. Foi assim que Del Rey me recebeu. Ganindo fino. Desolado, amuado, deitado a um canto qualquer.

Deixei para o dia seguinte o exame mais apurado. Na hora ele me pareceu melhor.

Retornei, no dia de hoje, quatorze de outubro, quente, uma fogueira acesa no meio do dia, ao local onde estava meu cão pastor alemão. Foi o mesmo Mario que não meu deu notícias boas.

Fomos em dois. Desta vez. Assis, amigo chegado, funcionário exemplo da UFLA, foi como copiloto na minha pratinha valente.

Na beira da minha casa nova, que nunca tem fim, espero seu debut em mais um mês e meio, tomara não muito mais, ali estava macambuzio o querido Del Rey.

Depois de uma visita fugaz a obra inacabada, como a de  Antoni Gaudi, na Catalunha separatista, como são as flores dos ipês, concluímos que o melhor para mim, e para meu cão inteligente, ainda filhote, aos cinco meses apenas, seria uma internação numa clínica onde, há anos atrás foi reabilitado para a vida outro cão, o Paulo Du Rosa. O personagem central do romance Madest. Passamos antes pelo hospital veterinário da UFLA, onde não havia vivalma morta ou viva. Foi quando pensei, com olhos de médico cirurgião, caso fosse o acontecido com algum pobre hospital dos humanos, um paciente qualquer ali encontrasse a porta fechada, o que acabaria sucedendo ao nosocômio? Um processo inadiável movido pelo ministério público, cercado pela mídia sedenta de sangue, não azul, embora o azul apenas o sinto no céu, junto ao sol quente até demais.

Não houve alternativa senão levar o pobre Del Rey, febril, dispneico, apático, macambúzio, desidratado, a clínica do mestre Lacreta. Que acabou ficando com meu Mugido de Vaca e Cheiro de Curral como entrada para os custos da internação do meu querido amigo cão.

Agora, mais aliviado, já que meu cão filhote está em boas mãos, de quem ama os animais, como eu, depois de azáfama dos dias de ontem e de hoje, sexta e sábado, depois de fazer todo o feito, eu, médico ainda feito, será que faria o mesmo por algum igual?

Ao fim do texto ainda não sei a resposta. Embora meu parecer possa chocar algum de vocês. Creio que não…

 

 

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