Do jeito que gostaria

O fim do ano se aproxima. A passos frenéticos. Cada dia que me vê pelas costas é menos um no meu calendário já exausto de vida.

Dia sete estava sessenta e sete. Hoje, nove, conto mais um ano. No ano próximo contarei mais quantos? Tomara aqui esteja para contar tantos mais que serão.

Tomara consiga contar histórias da Carochinha para meu netinho Theo. E quantos mais vierem para puxar meus ralos cabelos tintos de branco. Eles apenas se mostram nas têmporas. No alto nada se vê. A não ser um descalvado luzidio. Com manchas devidas aos raios de sol. Já me disseram – “cautela. Gente branca como você não deve se expor tanto. Um chapéu não basta. Use protetor solar”.

Em menos de quinze dias nasce o Natal. Dia considerado de dar presentes. Hoje presenciei uma cena curiosa.

Ao descer a rua, na parte da tarde, levando minha bolsa tira- ombro, aquela onde existem livros a venda, ao passar nas barbas de uma lojinha de um peruano amigo, de nome Cezar, gente da prateleira de cima, estaquei as pernas de súbito.

Desliguei das orelhas meu fone de ouvido. Senão não seria escutada a minha proposta.

Pensei vender meu Por Quem os Sinos não Dobram ao Cezar. Ele estava atendendo a vários clientes. Pediu-me que aguardasse alguns minutos. Mostrou interesse na compra.

Na espera, não estava apressado, imiscuí-me na parte de trás de sua lojinha camelódromo. Ali encontrei uma scooter patinetezinha de criança. Encantei-me com tal regalo. Theo com certeza iria gostar de tê-la consigo. Acertada a barganha, sem volta, meu livro ficou com o peruano gentil e poliglota como eu. E desci a rua com a patinetezinha não andando nela.

Uma vez no apartamento de minha filha como fiquei embevecido com a cena do Theo sorrindo com as luzinhas e a música nascida da pequena scooter. Confesso ter tido vontade de ser criança novamente.

Ainda no cantinho peruano deparei-me com outra cena linda.

Uma velhinha um tanto obesa, cabelos presos num lenço chita, adentrou a loja timidamente. E pediu ao dono um presente, um brinquedinho não tanto novo quanto a patinete do meu neto, a dar de Natal ao seu netinho.

Na hora Cezar atendeu-lhe a súplica. Foi aos fundos da loja, dali escolheu outros brinquedos e os fez presentes aquela idosa.

Dali saí pensando nos Natais e Natais de tantas crianças.

Umas têm de pedir presentes a quem os tem com fartura. Outros nem isso conseguem. Haja vista a situação de penúria por que passa um país vizinho. Supermercados existem. Só que nas prateleiras nada se mostram.

Desci a rua até a casa da Rosinha pensando nos gostos e desgostos.

Natal é considerado época de vendas em alta. Conquanto em certos lares a tristeza predomina.

Nalguns lares a opulência domina. Noutros falta tudo. Enquanto naqueles lares ricos onde o dinheiro não é problema, ali pode faltar o principal. Carinho, respeito, calor humano. E, sobretudo amor.

Como gostaria que o mundo não fosse tão díspare. Formada de gente que fala a mesma língua. Mas as desigualdades sociais abundam. E esse fato faz com que as pessoas não se entendam. E cada uma, apressada, ensacolada, por vezes se esquece daquela senhora de idade que hoje mesmo pediu ao peruano um presente, um brinquedo com defeito, ao Cezar. Boa pessoa. Educada e bom comerciante. E dali saiu com uma sacola cheia de presentes a serem dados aos seus netinhos, não os conheci, como bem conheço o Theo.

Bem sei que nosso mundo é assim. E não vai mudar o giro nunca.

Mas bem que gostaria de vê-lo ao meu modo. Menos desigual, menos ruim.

 

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