Não sei se resistiria

Tenho acordado, neste mês de janeiro primeiro, mais tarde que de costume.

Antes, quando dezembro ainda se despedia, antes das seis já estava de pé. As seis e alguns minutos já estava na rua. Caminhando lentamente em direção ao consultório.

Talvez seja devido ao mês quando muitos ainda estão em férias. Estou incluído entre eles. Não na clínica privada. E sim no serviço público.

Em pouco tempo acerto meus ponteiros biológicos. E volto a acordar mais cedo.

Hoje, doze do mês entrante, ao descer a rua em direção ao trabalho, deparei-me com um cadeirante descendo solitário pelos passeios não tanto adequados ao andar em cadeiras de rodas. E ele o fazia com desenvoltura de quem tem as pernas normais. A velocidade com que ele movia as duas rodas de sua cadeira era mais rápida que minhas duas pernas andarilhas.

O rapaz logo entrou numa galeria antiga de nossa cidade. Pelo visto ele trabalha por ali mesmo. Nalgum ofício o qual desconheço.

Ao ver o jovem cadeirante se movimentar com desenvoltura em sua cadeira especial percebi alguns fatos que talvez não gostasse que acontecessem comigo.

Ando como notícia ruim. Nado com a sutileza de um pato. Pedalo como se aquela bicicletinha já sem as rodinhas fosse o presente ideal que recebi de Papai Noel.

Caso me fosse retirado o movimento das pernas não sei o que seria de mim, talvez ficasse atado a uma cama.  Sentindo-me inválido para sempre. Um traste inútil. Uma pessoa deslocada do seu mundo.

Não sei se resistiria caso fosse alijado da minha alegria quase sempre manifesta. Do meu bom humor costumeiro. Do meu sorriso brejeiro. Das minhas corridas lépidas na esteira daquele clube que amo tanto.

Não imagino o que seria de mim caso nascesse em outro berço. O que nasci, se não foi perfeito, beirou o quase. Não sei o que seria de mim caso meus pais fossem outros senão aqueles dois. Se minha família fosse outra. Que não esta que me atura da melhor forma possível.

Não sei o que seria de mim se não fossem meus dez dedos que digitam sem cessar este computador cronicador. Não fosse a inspiração que me cavouca todas as manhãs. Não sei se resistiria à mesmice do cotidiano não fossem meus olhos perscrutadores de tantos encantos.

Não imagino o que seria do meu eu não fossem os pássaros que avoam pelo céu adentro. De quando em vez sinto-me um destes passarinhos fora de suas gaiolas. A voarem livre, sem destino, apenas me deixando levar pelo que minha imaginação dita.

Não sei se resistiria ao martírio de ter de encarar o mundo violento dos nossos dias sem a costumeira irresponsabilidade que as pessoas pensam que estou.

Não sei o que seria de mim sem o casulo onde me escondo nos dias de dor e sofrimento.

Nem sequer imagino o que seria de mim sem as pessoas com as quais cruzo nas ruas nas horas tempranas.

Nem sei o que seria de mim sem as modernidades internéticas as quais tento acompanhar bem de perto. Embora mal sabendo manejar alguns botões, por aqui e por aí.

Não sei o que seria de mim sem a família linda a me acompanhar em meus arroubos de insanidade.  Bem sei que o limite entre a sanidade e a louquice é mais tênue que o buraco por onde passa a agulha ligada a linha fina que nem o dedal da conta de enxergar.

Nem sei o que seria do meu todo não fosse eu uma pessoa totalmente ligada ao sentimento maior que me cavouca por dentro. Se não sabem como ele se chama cito agorinha mesmo seu nome- sensibilidade.

Não sei o que vai ser de mim caso eu perca a capacidade de deitar no papel todas estas palavras nascidas por acaso. Sem querer. Do nada.

Ao descer a rua, nesta manhã ainda cedo, deparei-me com um cadeirante descendo pelo passeio. Foi ele quem me inspirou este texto. Não sei o que vai ser de mim…

 

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