Tudo em vão

A vontade do Zé Prefeito em acertar impressionava a todos os cidadãos da cidade onde morava.

Era um administrador neófito. Mas, persistente, fazia o que sua responsabilidade ditava.

Não se intimidava com as más línguas que dele falavam. Se errava, voltava atrás, retrocedia, e não se melindrava em corrigir os senões. Dava o braço à palmatória. Endireitava o logro. E persistia sempre. No caminho que julgava melhor à comunidade.

Não tinha a maioria na câmara dos edis. Um ou outro vereador teimava em ir contra seus ditames. Mas logo era convencido, dado as circunstâncias, que o projeto do executivo era o melhor para a cidade. E ia adiante.

Um dia impediu o estacionamento de carros nos dois lados de uma via importante da comunidade. O comércio, sentindo-se prejudicado, fez cara feia. Mas o nosso mandatário maior não voltou atrás. Persistiu no mando. E a iniciativa pioneira acabou dando certo.

Noutro conseguiu, graças à ajuda de terceiros, dar cara nova às praças da comarca. Ficaram lindos os tais jardins. Onde desocupados e crianças brincam sob olhares complacentes das suas babás.

A limpeza pública foi outra bandeira com a qual o prefeito empossado fez seu bastião.  Em pouco tempo as margaridas viraram flores. Sem trabalho as garis da limpeza dependuraram as vassouras. E passaram a enfeitar com seus odores as praças da cidade inteira.

E o povo, creio a maioria, passou a aplaudir a administração municipal. O prefeito Zé foi, com o tempo manquitolando, guindado a ícone maior da sua linda cidade.

“Povo desenvolvido é povo limpo. Leve seu lixo para sua própria casa”. Assim passou a ser a máxima da gestão atual.

Uma proposta do mandatário maior daquela cidade logo foi transformado em outdoors. “Deixem seu carro na garage. Ande, caminhe gente. Faz bem à saúde. Além de economizar combustível, que custa os olhos e ouvidos da cara”. E naquela cidade, que também é a minha, tem gente que tem três carros defronte a casa. E mora de aluguel. Pasmem!

A partir da divulgação da ideia, que foi abraçada com cautela pelos munícipes, mais gente passou a usar as pernas. A venda de gasolina foi reduzida a quase zero. Os postos de combustível acharam por bem reduzir os preços. Ainda melhor para a população.

Ontem, ao debrum da tarde, uma chuva forte começou a cair de cima abaixo.

Pena que os passeios da cidade, não por culpa da prefeitura, não oferecem condições de segurança para as caminhadas. Ou são desnivelados, ou lisos demais, não tem piso antiderrapante, e escorregam como a língua ferina da comadre Leila.

Pobre dos idosos que andam com duas bengalas.  Ao passarem de um nível a outro se dão pior que a galinha quando tenta chocar ovo choco. Ou caem, quebram a perna, afundam o traseiro no passeio duro. Pobre das bacias fraturadas. Deixam o pobre dono de molho na cama por tempo indeterminado.

Assim ia eu, idoso não assumido ou consumido, depois de malhar em uma academia costumeira, no dia de ontem. A chuva se fez anunciar alardemente.

Sem guarda-chuva, saindo da piscina, molhado como estava, não me preocupei com a água que vinha do alto. Tudo ia bem até dobrar a esquina. Nas barbas da caixa dágua, fim da Costa Pereira, descendo a Rua do Mirante, outro nome que tem a Misseno de Pádua, correndo rápido para não constipar, ao passar defronte a casa de um amigo, ex reitor da Ufla, naquele passeio escorregadio ao extremo, dei com os fundilhos no piso impróprio a caminhar.

Caso fosse, em verdade, mais decrépito que já estou, por certo baixaria ao hospital. Com o colo do fêmur fraturado, ou ainda pior.

Levantei-me de chofre. Cuspindo marimbondos molhados. Vi que nada de grave acontecera. Felizmente. Continuei a descer o morro agudo. E acabei parando no apart hotel da Sueli. Onde fui muito bem recebido pelos amáveis servis.

Ao final deste meu desabafo, ainda sentindo não as dores do parto, deixo aqui, ao meu prefeito ideal, um pedido. Quase uma súplica.

“Zé. Bem sei que os passeios são da total irresponsabidade dos donos das casas da cidade. A prefeitura não pode se responsabilizar pelos tais. Mas, caso algum qualquer, seja idoso ou criança, acabar tendo uma perna fraturada, um traseiro amassado, durante uma queda num destes passeios, a quem cabe a culpa”?

“Pode, o injuriado, processar a administração municipal? Ou o dono do imóvel que construiu o passeio de forma irresponsável”?

No meu caso nada mais de gravidade aconteceu. Felizmente pra mim. Talvez não para o meu plano de saúde.

Amigo prefeito Zé. Você tem tido uma conduta irretocável. Pra mim. E não dispenso opiniões ao revés. Mas, considerando-se as calçadas da cidade de Lavras, como a que me derrubou na tarde de ontem, tudo que você tem feito de melhor, tem sido em vão.

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