Naquela pressa de sempre afoguei-me no afogadilho

O tempo ruge caloroso nestes dias de meio de janeiro. Agora, da janela do sétimo andar, ao ver os pedreiros assentarem azulejos na parede do prédio defronte a onde estou, imagino a temperatura que muge lá fora. Por certo, incertos mais de trinta graus. À sombra se refresca. Nas águas azuis da piscina, mais tarde, com certeza irei me anestesiar do calor infernal deste verão tropical.

Que correria desenfreada tem-me feito suar. Sempre andando. Por vezes veloz, mais ao debrum da noite menos serelepe.

Na volta do almoço, sob um sol de rachar, andando, amochilado às costas, voava por sobre os passeios quentes, atravessando ruas, desviando-me dos carros, até chegar ao oásis de frescor onde me posto até a tarde começar a fechar os olhos, para se entregar à calmaria da noite. Bendito lusco fusco dos vagalumes a pirilampearem com suas luzinhas vão e vêem, como se fossem estrelinhas cadentes, pena que eu não consiga me tornar estrela. Uma estrela escritora. Que faz da via láctea um computador iluminado pela luz da lua nova.

A pressa tem me consumido, e a outros, neste tumultuado começo de ano novo. Dois mil e dezoito tenho tido muitas coisas e loisas das quais tento desatar nós. Por vezes não consigo.

As despesas assaltam-me desarmadas de pistolas de gordo calibre. A conta bancária fica corada pelo rubro vermelho. Por mais que tente trabalhar, estou de férias no serviço público, por mais que espere, os pacientes esperam impacientes a minha volta aos postos de saúde. Não por falta de desejo de vir aqui. Mas simplesmente por falta de dinheiro para uma consulta particular. Cirurgias menores esperam o carnaval ver desfilar seus blocos na rua. Tudo aqui começa nas luzes terminais das avenidas sambantes. Depois que o samba acabar. As batucadas morrerem. As lindas garotas de poucas roupas se prepararem para o dia seguinte. Preocupadas que devem estar com as regras que de repente atrasam. Seria um filho que virá? Ou simplesmente, para seu gáudio grandiloquente, um capricho do destino. Uma falha apenas, nada mais seria.

Uma casa que está em seus estertores finais tem me consumido não só a renda bem como a paciência mínima que me tem envelhecido ainda mais. Meus sessenta e oito logo perceberão mais um, dois, três, até me transformar num setentão enxuto. Quantos anos mais me receberão de agora em diante? Não sei. Nem quero ou desejo saber.

Hoje, ao voltar da minha rocinha, à hora do almoço, na minha pratinha valente, correndo sempre, vi um vendedor de picolé esvaindo-se em suor. Penso eu, não tenho como comprovar, que todo seu estoque de picolé derreteu-se. Inclusive ele, o picolezeiro.

A azáfama do cotidiano tem me deixado de poucos cabelos. Agora só nos dois lados restam alguns fios parcos. Logo assumirei minha calvície total. Irei de máquina zero raspar meus derradeiros fios brancos. Ficarei careca total.

Minha única esperanca, de me refrescar, são as águas azuis da piscina pra onde irei ao cair da tarde. Agora são quase duas. Restam-me menos de três para sair de aqui.

A primeira consulta da tarde ainda não chegou. Ela deve estar esperando pelo elevador.  Como de pouco estive eu.

Que pressa tenho ouvido falar. Que sufoco todos têm estado por aqui e por acá. Meu site – www.paulorodarte.com agora voltou a dar sinal. Por este motivo não escrevi uma só linha na manhã do dia de hoje.

Na pressa do afogadilho, neste janeiro quente, tenho me desdobrado em mais de dois de mim mesmo. Talvez três sejam melhor que dois de mim.

Logo mais vou ter à piscina. Depois de correr na esteira da academia por mais de uma hora inteira. Amanhã de novo corro à roça que tanto amo. Ali vou ver de novo meu cão pastor, de nome Del Rey. Os amigos Roberto da Dona Lucia, seus filhos, não sei quantos vão estar ali, e minha casa nova que um dia vai terminar. Oxalá não comigo.

Tomara, oxalá, a pressa do afogadilho não me faça soçobrar em águas rasas. Quiçá não.

Estou assoberbado com a pressa. Cansado das correrias. De tanto ir e vir. De voltar sem ter aonde ir. Ou ficar.

Quem um dia, me ver, afogado no afogadilho, por favor, me livre de mim mesmo. Mas certo que não irei me suicidar.

 

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