Aos sessenta e tantos anos viveríamos nos descontos? Se não, a partir de quantos?
Um dia se consultou comigo um senhor, lúcido, caminhando sem claudicar, teso, aos cento de dois anos de pura mocidade senioridade.
Ele dispensava aparelhos de surdez. Andadores não faziam parte de sua rotina gasta. Babador, muito menos. Óculos nunca usou. Embora a leitura fizesse-lhe parte dos seus melhores momentos. Falava como se fosse locutor de jogos de futebol. Nunca precisou usar fraldões. E, pasmem! Jurava este senhor que ainda fazia sexo, embora a viuvez lhe fizesse parte da sua longuice entre os anos desde completos noventa. Sua namorada, acompanhante em sua consulta, uma balzaquiana ainda enxuta, confirmava-lhe o dito.
Esse é um exemplo de longevidade com a qual gostaria de conviver, nos anos todos que me esperam. Tomara.
Estou sessenta e oito. Em dezembro perto estarei mais um ano adiante. Mês passado, quando as chuvas ainda caíam soltas, plantei uma mudinha de jabuticabeira. Espero, não apenas ver meu neto formado, como ainda ter nos braços um bis, bem como alçar o galho mais alto daquela jabuticabeira vetusta e altaneira. Muito mais que os meus parcos metro e setenta.
Não tenho do que me queixar dos anos meus passados. Foram anos bons. Se não perfeitos, quase os tenho.
Lógico, como todos que podem me contradizer, alguns meses, dias, não foram perfeitos como o que amanheceu no dia de hoje, vinte e dois de janeiro. Sol a pino. Céu azul, mais calor se espera na dobra do dia para o debrum da tarde.
Alguns contratempos eu tive. Foram tempos de tristeza quando perdi meus pais. A morte de um seguiu-se ao outro. Cinco anos se passaram neste intervalo.
Tive alguns momentos de tristeza finita. Como bipolar a alegria se alterna a melancolia. Este fato é notório nos bipolares. E é muito mais gostoso viver na fase up.
Tenho dito.
A vida que tenho levado não tenho do que me queixar. Aprendi, nestes anos todos, que o bom humor contagia. Que a depressão faz mal ao próximo. Aos depressivos devemos evitar. Assim como as pessoas que tentam nos sugar pra baixo. Que não custa nada dar bons dias aos passantes. Que conosco se cruzam ao descer a rua. Mesmo que do outro lado não partam outros melhores dias.
Descendo hoje a rua, ainda estava meio escuro, ao me lembrar da minha idade recém-inaugurada, foi que lucubrei, se fosse possível, descontar de nossa atual os momentos não tanto mágicos por que passamos ao longo dos anos.
Hoje conto com sessenta e oito. Se eu pudesse, decrescer, dos oito a mais dos sessenta, os anos, dias, meses, infelizes por que passei, não sei contá-los todos eles, que tal diminuir o tempo dos anos em curso em menos dois, três, e assim por diante?
Em pouco tempo voltaria aos vinte anos. Em mais tempo aos menos de dez. Em não sei quantos seria um bebê chorão. E nada mais nada menos de não se sabem quantos anos nasceria de novo. Seria um Paulo Benjamim Buttom criança de novo. Ou um pintinho dentro da casca do ovo.
Ah!, se eu pudesse decrescer aos meus sessenta e oito anos todas as decepções que tive. As tristezas que me afligiram. A melancolia que senti ao perder meus pais. Logo logo voltaria a ser menino como meu netinho querido de nome Theo.
Caso me fosse possível descontar todos os desencantos que me tomaram nos bracos, na vida médio longa que tenho tido, seria, ou não, algo mais azul que o céu de hoje se mostra?
Não sei ainda a resposta. Nem saberei, tomara.