Eu sem elas

João Solidão pensava que a própria companhia lhe bastava. Já eu penso exatamente o revés.

Primeiro não estaria aqui sem sua presença. Uma mulher foi fundamental no meu existir.

A solidão pode ser boa em certos momentos. De quando em vez, principalmente no ato de escrever, dispenso outra companhia a não ser a do meu computador. Como é bom chegar cedo aqui, no meu consultório, quando outras salas ainda não foram abertas, apenas a minha se deixa ver.

Aquele senhor casmurro, ensimesmado, era um ermitão consumido e consumado.

Mal se lembrava de quando sua mãe o fez ver o mundo pela primeira vez. Mas logo a pobre se ausentou. Não por que não quisesse continuar ao lado do filho primeiro. Mas sim por que uma criatura que não se deixa ver, mas existe, a levou ao seu lado, sem nem conhecer o filho recém-nascido.

Assim passou a infância e a mocidade. Vivendo por ele mesmo. Talvez seja o motivo por pensar que a vida existe não para ser compartilhada. E como alguém de outro sexo faz falta em nosso viver.

João Solidão nunca havia experimentado o aconchego do colo de uma mulher. Nunca beijou uma boca sequer. Até o momento presente não havia feito sexo, apenas em pensamentos, em suas noites solitárias. Jamais teve um envolvimento com uma parceria do sexo oposto. E no presente instante contava com quarenta anos de idade.

Até que, naquele mês de marco, em sua casa da roça apareceu uma mocinha desamparada. Parecia uma moça boa. Que a ele pediu abrigo. Contou uma história triste de abandono. Foi deixada pelo namorado a ver navios depois de uma relação mal  acabada. Desde então vagava  a esmo pelas estradas.

João Solidão não teve como não lhe dar guarida. Ele tinha bom coração apesar de sua carantonha feia. De coração generoso ainda se lembrava de quando acolheu em sua casa um cãozinho esfomeado. Ainda chora até hoje quando o animalzinho morreu.

A partir da chegada da moça, até que era formosa, olhos escuros, tez tostada pelo sol, cabelos até a cintura, pernas fortes que mal se deixavam ver dada a calça comprida que ia até os tornozelos, tudo mudou na vida do infeliz João.

Ela comandava o fogão com mãos de fada. A casa ficou tão limpinha que se podia pentear os cabelos no piso antes fosco e desbotado.

Foi-lhe preparado um quartinhos dos fundos. Que ficou um brinco depois chegada da moça que se chamava Amélia.

Parece que a felicidade afinal adentrou por aquela porta desde então. João Solidão desconhecia o significado de felicidade. Sempre a sós, falava com as paredes mudas, sem afeto, sem amor.

Amélia era o uivo do vento fresco que adentrou pela janela sempre fechada da casa do João. Vivia cantarolando cantigas de roda. Alegre, distribuindo graciosamente simpatia por todos os poros.

João, desde a chegada de Amélia, tudo nele mudou. Começou a sorrir. Vestir-se melhor. Até criou barriga, antes funda e esfomeada.

Depois de um ano da chegada da moça, sem nunca terem sequer trocado um afago, uma carícia bem dada, sem ao menos experimentarem aquele sentimento comum entre um homem e uma mulher, numa noite chuvosa, depois do jantar, Amélia achegou-se a João e lhe deu um beijo inesperado.

Era a primeira vez que algo semelhante aconteceu na vida daquele senhor mal amado. As pernas tremeram. O corpo inteiro ferveu. João, sem saber como fazer retribuiu ao beijo de forma tão inocente que mais parecia uma criança sendo beijado pela mãe protetora.

E aconteceram outras vezes. Até aquele dia mágico, quando dormiram juntos pela primeira vez. Foi a primeira noite de João com uma mulher. E como foi feliz a partir de então.

Amélia foi um achado na vida vazia de João. Não tiveram filhos. Eles se completavam.

Assim como mulheres nos completam. Enchem-nos a vida de alegria. Sem elas não sei o que seria de mim. De nós.

Amanhã é o dia delas. Embora pense que todos os dias sejam dedicados a elas.

João sem Amélia é como um jardim sem flor. E a vida sem amor não tem cor nem sabor. A nossa vida da mesma forma caminha. Sem as mulheres, sem as suas presenças bem vindas, a vida não se chamaria vida. Seria um murmúrio de sofrimento e dor.

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