Foram-se as nuvens

Nunca chovera tanto quanto naquele começo de março.

Nada de céu azul. Nada de o sol bailar.

Na roça do Chico Bipolar apenas o cinza se via no alto. Nuvens escuras nasciam bem cedo até o cair da noite. O cenário impunha tristeza naquelas pessoas sem tempo de folgar.

O pobre Chico, vivendo solitário, naquela casinha tosca, torcia durante a noite mal dormida para acordar vendo o sol nascer. Mas que?

E mais chuva descia do alto. Mais nuvens escuras tingiam o azul com suas cores lúgubres. E a alma sensível daquele caboclo, que nas horas de ócio fazia poesias, era entregue a tristeza que nele se fazia notar.

Chico tinha altos e baixos.

Passava tempos entregue a felicidade plena. Noutros vivia ensimesmado, calado, evitando até mesmo se olhar no espelho. Naqueles dias passava horas vazias escrevendo poemas. Em todos falava da agonia de estar vivo. Em seus versos notava-se uma angústia tamanha. Um sentimento profundo de dar cabo de si mesmo.

Chico era refém do clarume dos dias. Era o sol que o fazia alegrar-se.

Quando ficava tristonho não havia quem o fizesse sorrir. Nem quando a vaca melhor paria. Nem ao menos quando os leitõezinhos corriam. O pobre Chico se entregava a olhar o nada. Com aquele olhar vazio.

Todos notavam a tristeza do Chico. Até mesmo comentavam entre eles que o infeliz deveria procurar tratamento que o livrasse daquela tristeza doentia.

Quando o procuravam, preocupados com seu estado de letargia, Chico emagrecera a costelas vistas, ele logo dizia que não era nada. E que logo tudo aquilo passaria.

Meses se passaram e o verão passou. Com ele as águas de marco, as mesmas que fizeram transbordar riachos, deixando no seu rastro destruição e ao mesmo tempo fartura nos campos da roça, se foram para voltar o ano vindouro.

E o infeliz Chico continuava do mesmo jeito. Taciturno, sombrio, infeliz ao seu modo de ser.

Nem ao menos uma criança, que de vez em quando o visitava, conseguia fazê-lo sorrir. Chico amava as crianças. Embora nunca tenha sido pai como tinha vontade de um dia sê-lo. Das mulheres queria distância. Principalmente naqueles dias em baixa com ele mesmo.

E a chuva teimava em tintar o céu de cinza escuro. A alma do pobre Chico continuava do mesmo jeito sombrio.

Quem o visse assentado naquele banquinho, com a mão no queixo, logo pensaria que uma doença grave havia se apoderado daquele coitado.

E ele passava dias naquele estado.

Finalmente, quando tudo parecia perdido, o sol voltou a iluminar os campos com seus sorriso amarelo. O céu de novo se fez azul.

As nuvens cinzentas se foram. A chuva desapareceu da roça sem ao menos um até logo.

Chico amanheceu diferente naquela segunda encantada. Acordou bem disposto. Tomou uma ducha fria. Conseguiu se dar bem com a cama. Dormiu como uma criança feliz.

Todos notarem-lhe a mudança nos costumes. Chico cantarolava velhas canções de roda. Até mesmo dançava sem uma parceira do lado.

Nunca o viram tão feliz. Passou a cuidar das vacas que agradeceram o bom trato com o aumento da produção leiteira. Os porcos grunhiram de alegria ao verem a transformação do dono. Até então infeliz e tristonho.

Logo pela manhã, era um dia de sol sorridente, um vizinho de cerca foi visitar o transformado Chico Bipolar.

Notou um Chico falante. Animado sem a anterior apatia. Foi então que do lado de lá veio a pergunta. Que todos queriam fazer: “por que razão antes você passou tempos difíceis. Infeliz, desanimado, cabisbaixo e macambúzio”? “Todos estavam preocupados com você, amigo Chico”.

Logo veio a resposta. Sem pestanejar. Num instante de desabafo, Chico, refém da sua bipolaridade, confidenciou ao amigo chegado a razão da sua mudança de humor.

Quer saber? “De repente foram-se as nuvens. E o sol voltou a brilhar dentro de mim”.

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