Sobreviver pra quê?

Dias infaustos aconteciam na vida de pouco brilho do garoto nascido num treze de agosto.

Bruninho nasceu sem querer. No ventre de uma mãe nas primeiras regras. Numa favela onde balas perdidas infelizmente encontram alguém. No seu trajeto incerto atingindo inocentes inúteis. Pelo menos assim pensa quem apertou o dedo no gatilho. Nas trocas de tiros entre bandidos e gente despreparada para nos defender.

O garoto não teve como continuar os estudos. O pai ausente nunca lhe fez caso. A mãe, para garantir-lhe o sustento, teve de se prostituir. Por sorte Bruninho era o único filho da infeliz Margarida. Bela morena que uma doença logo nela meteu as mãos. Reduzindo-a um monte de pele e osso. Ainda em tenra idade. O garoto, aos sete anos incompletos, logo se viu em apuros.

Vivendo num cortiço, entre menores como ele, desamparados, acabou cedo sem ninguém a cuidar de sua alminha pura. Passou a viver na rua. Dormindo ao relento. Passando fome.

Para comer ficava horas a fio na porta de um restaurante. Num bairro granfino. Onde as pessoas olhavam para ele com ares de piedade misturada ao asco.

Comia o que lhe davam. Vestia os restos encontrados no lixo da grande cidade onde veio a nascer. Sem saber o futuro que lhe estava reservado.

Esmolava nos sinais luminosos. Corria sempre o risco de ser atropelado por um motorista apressado. E como as pessoas tinham pressa nestes dias por que passamos.

Com uma flanelinha encardida tentava limpar os para-brisas dos carros dos bacanas. Era um calor dos diabos naquelas esquinas movimentadas.

As pessoas olhavam para ele como se fosse um cãozinho vadio. Algumas depositavam uma moedinha em sua mãozinha suja. Bruninho agradecia com um Deus lhe pague. Nem sempre retribuído.

O garoto não cresceu muito. Também, subalimentado, desnutrido, o que esperar de uma criança como ele?

Um dia, frequentando más companhias, foi confundido com outro que praticara um assalto. Foi apreendido e passou dois dias escuros numa cela destinada a gente grande. De lá saiu maldizendo aquele dia. Prometendo nunca mais voltar.

Mas não foi bem assim que aconteceu. Um mês depois um crime se deu na mesma praça onde dormia o garoto. Um assalto, seguido de morte, sucedeu sob os olhinhos atônitos do pobre menino. Mais uma vez foi implicado como testemunha. Como não tinha morada fixa, sem responsáveis, foi levado à delegacia. Mais uma noite na cadeia. Como se tivesse algo a ver com o incidente.

Foi solto, embora não tivesse bons antecedentes. Voltou às ruas. Sua morada de sempre.

Aos quinze anos completos pensou que a vida iria mudar. Conseguiu um emprego temporário como empacotador num supermercado.

Durou pouco seu novo modus vivendis. Foi mandado embora pelo gerente. Sob a alegação que o jovem havia afanado a carteira de um cliente. Que em verdade não fora ele.

De novo na rua da amargura. Perambulando sem eira nem beira pelas calçadas. Dormido ao relento.

Já era tarde, quando Bruninho se preparava para tentar dormir, naquela noite chovia.

Acordou com o corpinho todo molhado. Espirrava febril.

Foi-lhe diagnosticado uma pneumonia pelo médico do postinho de saúde. Que lhe receitou antibióticos. Mas como comprar tais fármacos? Já que não tinha um tostão furado.

Passou semanas ardendo em febre. Seu corpo mais e mais se consumia. Emagrecera a costelas vistas.

Por sorte, ou seria azar, desta vez a morte não lhe veio buscar. Recuperou-se graças a sua juventude. Bruninho, nesta ocasião contava com dezesseis aninhos. Prestes a completar dezessete.

Andava como cachorro sem dono pelas ruas da cidade. Vivia da caridade alheia. Quem o visse, naqueles trajes andrajosos, magro como seriema anoréxica, a ele daria mais de cinquenta anos. Talvez mais.

Bem que Bruninho tentava mudar de vida. Mas a mesma vida não lhe dava uma segunda chance.

Já aos trinta caiu doente. Era uma doença incapacitante. Foi jogado ao leito sem ao menos uma cama ter.

Graças a uma alma boa mais uma vez Bruninho sobreviveu. E voltou a mesma praça onde sempre viveu

Foi quando passei pelo que restou dele.

Bruninho estava com olhos fundos. Mais magro que dantes. Sua pele exibia o amarelão de um sol como o de hoje.

Não tive como parar defronte a ele.

Ele me inspirou piedade. Desamor.

Fiz-lhe, sem saber a razão, uma observação: “Ainda bem rapaz. Você é um sobrevivente”.

Dele veio a reposta que não queria ouvir. Mas já adivinhava.

“Pra quê”?

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