Tá tudo muito bom, não fosse…

O outono deu as caras com suas folhas coloridas. Ainda faz calor. Logo esfria.

O sol ainda brilha forte. A chuva parece ter ido embora para depois retornar. Poucas nuvens se veem no horizonte infinito. Um azul esmaecido se mostra no alto.

Pra quem anda como eu, de cima abaixo, confesso que o calor me incomoda. Prefiro caminhar sob o frescume do vento. Sob um sol forte meu corpo sofre. É este o motivo pelo qual saio de casa bem cedo. Quando deixo o consultório, meu local onde o escritor extravasa sua inspiração inesgotável, lá pelas onze, o calor torna-se insuportável. Como é de fato insuportável ver finar em mim a inspiração. Longe dela sinto-me um baú vazio. Sem os seus guardados.

Daí a minha predileção pelas estações frias. O outono me acaricia. Como o inverno me satisfaz.

Estou passando por um tempo em que tudo vai bem. Embora o muito bom não seja tanto. Contento-me com o meio termo.

Também, no alto dos meus sessenta e oito anos, logo adentro os setenta, para quem viveu tanto, por que se lamuriar das contrariedades que de vez em quando se interpõem entre a felicidade e a tristeza?

A sensação de alegria deve vencer a intranquilidade. A sofreguidão da pressa é um obstáculo inoportuno para que a gente se sinta feliz. Da mesma forma que sofrer por antecipação não deve fazer parte de nossa existência. O momento certo por vezes retarda. Daí a paciência deve ser eterna. Embora a eternidade seja efêmera como as estações do ano. Tudo caminha no seu tempo certo. Hoje estamos velhos. Ontem a juventude bafejou em nós seu hálito primaveril. Amanhã há de ser uma incógnita a que devemos nos acostumar. Embora com a morte não nos acostumemos nunca.

Hoje acordei com uma sensação de plenitude. Tudo pra mim estava bem.

O tempo fresco. O céu azul. O sol ainda a brilhar.

Mas, em contrapartida entre me sentir bem e não tanto, dormindo ao relento vi um morador de rua. Foi quando senti dentro de mim que nem tudo estava tão bem como imaginava. Eu tinha tudo que precisava para ser feliz. Já ele não tinha nem undécimo do que a vida me fez presente.

Estava tudo muito bom pra mim. Mas para quem enfrenta o fantasma do desemprego nem tudo está tão bem assim.

Ainda tenho as pernas em bom estado. Com elas me locomovo com facilidade.  E quem não as têm perfeitas? As pessoas que andam em cadeiras de rodas sabem melhor do que eu das suas limitações.

O tirocínio perfeito, a inteligência mediana, a facilidade em alinhar palavras, ainda fazem parte do meu eu. E quem perdeu a memória?  A capacidade de amar. A incerteza do que vai poder oferecer à família no dia seguinte a perda do seu emprego? Para essas pessoas nem tudo esta em perfeita sintonia com o bem estar.

Nesta etapa da minha vida sinto-me folgado. Filhos criados, um netinho lindo com um porvir alvissareiro, outro a caminho, não tenho do que me queixar.

Já para aqueles abandonados pela sorte, de cuja família não têm notícias, por um deslize qualquer se viu livre dos filhos, a esposa partiu desiluda com os tempos ruins, tudo não se mostra tão bem.

Hoje vi chegar o outono. Confesso estar no outono da minha vida. Quanto tempo mais me resta? Nem sequer imagino. Nem quero pensar. Pois para mim tudo vai bem. Pois a alegria brota dentro de mim como o sol brilha forte no alto. Ainda tenho saúde para dar e vender. Que Deus me conserve assim.

Já outros, menos afortunados, padecem de doenças incuráveis. E muitos têm menos da metade da minha idade. Não tenho do que me lamuriar.  Apenas agradeço tantas bênçãos a mim destinadas.

Nesse ínterim da minha vida aprendi que tudo está melhor do que antes. Antes não tinha tanto tempo para escrever. Agora aprendi a conviver com o tempo. A ele agradeço. Antes não tinha tempo para quase nada. Nem para ver que a felicidade fica tão perto.

Na minha caminhada nesta manhã agora ensolarada, neste começo de outono lindo, aprendi que tudo caminha em perfeita sintonia com a felicidade. Pena que para muitos este mesmo sentimento não tem a mesma voz.

Pra mim, que aprendeu a dominar a ansiedade, que colocou a tristeza em seu devido lugar, tudo está muito bem. Nem poderia ser melhor.

Não fossem as contrariedades, que fazem parte dos nossos dias, elas devem ser contornadas, tudo estaria melhor? Pra que mais?

Neste intervalo entre a velhice e a juventude perdida sinto-me a vontade. Pra que falar de tristeza se ela faz parte de minha cara metade? Pra mim tanto faz. Tanto fez. Se não fosse o sol o que seriam das nuvens escuras? Elas fazem parte do nosso viver. E como é bom viver fazendo de conta que tudo vai bem. E que os instantes piores fazem parte de nós. Entremeá-los com alegria deve ser uma constante. Aproveitar os bons momentos é o segredo do bem viver. Que assim seja. Enquanto durar a vida, com seus instantes díspares, vou vivendo. Nisso reside  o segredo de ser feliz.

Pra mim tanto faz. Não fosse o quê? E pra que pensar no pior? Pra que viver colocando dissabores onde eles não existem? Pra mim nada mais importa. Viver feliz é o que vale a pena. Desde que aprendi a enxotar a infelicidade. Para algum lugar onde ela se sinta melhor. Como eu me sinto agora.

 

 

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