A menina e a borboleta

Aninha nunca foi chegada a voos mais altos.

Desde menina era observadora, comportada e sonhadora.

Na escola não se dava com outras crianças. Ficava a seu canto, olhinhos perdidos na beleza das flores. Quando alguma coleguinha a chamava para brincar lá vinha ela com evasivas. Desculpinhas sem muito tutano. “Agora não posso. Tenho de cuidar do jardim. Se não as flores morrem por falta de água. De quem lhes tirem as pragas que nascem sem avisar dentre elas”.

Assim era a vida insossa de Aninha. Até que não era má aluna. Ficava entre as medianas.

Não era um exemplo de beleza a frágil criança. Seus cabelos eram alourados. Sua pele situava-se entre o pálido de uma pétala de margarida e seu miolo amarelado.

Nem alta como uma girafinha filhote nem ao menos baixinha como um anão de picadeiro.

No alto dos seus doze anos media exatos um metro e quarenta. Deveria espichar com o tempo.

O estranho naquela menina era seu comportamento. Ficava horas e horas vazias a admirar o voo das borboletas.

Quando soava o sino do início da aula era preciso que uma colega a chamasse à vida. Caso contrário Aninha continuava em seu observar longínquo o voo das borboletas.

Em casa os pais nem tempo tinham para cuidar da filha. Eram empregados de uma fábrica de autopeças. Saíam cedo de casa. E a pobre menina ficava entregue aos seus pensamentos cada vez mais estapafúrdios.

Aninha se vestia tal e qual uma borboleta. Quem a visse andando na rua logo lhe vinha à cabeça uma daquelas mariposas avoantes. Já que a esquisita criança andava com os bracinhos agitados, como se quisesse voar.

Aos quinze anos nada mudou na vida de Aninha. Continuava absorta olhando as borboletas. Como se fosse uma delas.

Repetia anos por falta de assiduidade na escola. Vivia entregue aos seus pensamentos de avoar para longe de tudo. Foi quando uma psicóloga diagnosticou-lhe um quadro preocupante de autismo. Mas seus pais ausentes nem fizeram caso. O trabalho era mais importante que a saúde da filha.

Aninha deixou os estudos para se dedicar a jardinagem. Finalmente aquilo era a sua vocação descoberta desde que deu de olhos num jardim de lindas flores.

Desde então foi feliz como nunca havia sido.

Dedicada paisagista, esmerou-se nos cuidados das flores.

Aninha passava todo o tempo entregue aos jardins. Mas o que mais a embevecia eram as borboletas. Amava-as de tal maneira que se sentia uma delas.

Aos vinte anos completos decidiu por estudar com afinco os lepidópteros. Entrou num curso a distância. E foi convencida pelos compêndios de entomologia que em verdade não era uma pessoa como outra qualquer. Faltavam-lhe asas. Avoar sempre foi um sonho distante.

Como a vida não lhe fazia pulsar o coração invejava a vida curta das borboletas.

Como seria bom viver de flor em flor, de jardim em jardim, pousando aqui e acolá, sugando o néctar das flores. A metamorfose das borboletas da mesma forma a encantava. Era por demais insosso passar a vida toda como uma pessoa de carne e osso.

Em casa colecionava todo o ciclo transformador das borboletas em seu quarto de dormir. Desde os ovos, a larva, a pupa ou crisálida até ver a linda borboleta voar.

Um dia, ao passar por um canteiro de flores, parei para ver um fato estranho que me fez pensar.

Vi uma borboleta enorme avoando de flor em flor. Era desengonçada a avoante. Ela tinha asas de duas cores. Azul e amarelo ouro. As antenas eram anormais para a espécie em questão. Pareciam olhos humanos. Ao invés de pernas como as das borboletas aquelas eram tais e quais as de uma jovem menina. Até sapatinhos pensei ver.

Foi quando ela assentou-se a uma flor de margarida tive o cuidado de me aproximar daquela borboleta incomum.

Fiz-lhe uma carícia cuidadosa com os dedos da mão direita. Ela não se furtou ao meu carinho.

Tentei falar com ela.

Fiquei pasmo com a resposta a minha questão aparentemente imprópria.

“Desculpe-me a intromissão, minha cara borboleta. Mas, como conheci uma criança que morava perto de mim, que me lembra de você, por acaso você tem nome”?

Bem sabia que borboletas não falam. Só avoam e vivem tão pouco.

Mas quanta surpresa me causou quando ouvi dela uma resposta.

“Que bom que o senhor se lembra de mim. Sou Aninha. Aquela criança insatisfeita em ser quem era. Graças aos meus estudos consegui me metamorfosear. Primeiro criei asas. Tive o cuidado de escolher as cores. Foi lindo quando elas bateram e deixei o meu casulo. Agora sei que vou viver bem pouquinho. Mas certo que serei feliz até o fim dos meus dias”.

Estupefato deixei Aninha transformada ir de flor em flor. Que bom que enfim ela conseguiu realizar seu sonho. Que bom seria se a gente conseguisse realizar os nossos.

São tantos e tantos, que nem sei contar quantos serão.

Deixe uma resposta