A cada minuto

Agora são exatamente seis horas e cinquenta e quatro minutos. Faltam seis deles para às sete horas.

O dia é vinte de nove de março. Quinta-feira santa. Véspera da sexta-feira da paixão. Um feriadão gostoso. Próprio a deixar o trabalho de lado. Pena que as preocupações não podem seguir o mesmo caminho. Pois nova semana nos espera no próximo mês de abril.

A cada minuto que passa vejo a vida passar velozmente. Hoje conto com sessenta e oito anos. E alguns meses mais. O difícil seria precisar quantos minutos faltam para completar sessenta e nove. Para os setenta por certo seria missão impossível. Por esta razão não perco tempo contando horas ou minutos. Prefiro viver a vida intensamente. Como se o último minuto não existisse.

Já o senhor ao qual fui apresentado num dia destes pensa diametralmente o oposto.

Por esta razão apelidei-lo João a Cada Minuto.

Ele sempre viveu folgadamente. Era ele e sua pessoa tranquila. Não lhe faltava nada. Pensava.

Não tinha família até aquele ponto de sua vidinha sossegada. João contava com menos de trinta anos. E alguns minutos.

Foi quando decidiu, num momento de intranquilidade, que uma família seria o melhor para continuar vivendo. Até quando, não sabia ainda.

Acabou se casando com uma mulher até que bem bonita. Joana era seu nome.

Não tiveram filhos por opção deles mesmos. Viveram tempos e tempos em perfeita sintonia com a afinidade.

Até quando a maior idade deles se apossou. Passaram de jovens felizes a anciãos complicados.

As doenças passaram a fazer parte de suas vidas. Até então sem nada com que se preocuparem.

Dona Joana, vendo a velhice chegar, não dormia sem se queixar de uma dor de cabeça. De uma dor nas partes baixas. Da falta de memória que a atormentava. Seu João evitava a companhia da mulher. Ela era um compêndio enorme de doenças. Cada dia, minuto, era um queixume diferente. Nunca Dona Joana se dizia feliz. Era uma pessoa amargurada. O que contaminava ainda mais o bem estar do companheiro. Que até então tinha uma saúde perfeita. Aos mais de sessenta anos estava em paz consigo mesmo.

João, conhecido na vizinhança com uma pessoa tranquila, depois das queixas da esposa perdeu a tranquilidade que possuía. Era comum vê-lo pelos arrabaldes cabisbaixo, arredio, sem querer conversar com os amigos poucos que tinha.

Aos mais de setenta a mesma ladainha de sempre. Dona Joana não era companhia que prestava.

Por esta razão Seu João contava os minutos para se ver livre dela. A cada minuto passado em casa era um verdadeiro martírio a vida que levavam.

A cada instante pensava no pior. No bendito dia quando a mulher partiria rumo ao infinito.  E a feliz novidade não chegava nunca. Dona Joana continuava em saúde imperfeita mas firme como uma rocha lambida pelas ondas do mar bravio.

Seu João perdeu a paz que tanto sonhava. A cada minuto que passava ele lucubrava como se ver livre da esposa que só pensava em amargurar- lhe a vida. Que ficava a cada minuto mais infeliz. Mais triste e desassossegada.

Ambos chegaram em boa saúde, salvo algumas doencinhas próprias da maior idade, até os oitenta anos.

Então dormiam em quartos separados. Cada um no seu canto. Num convívio que em nada lembrava os primeiros anos.

Seu João, contando os minutos, não via a hora de ver Dona Joana pelas costas. Mas nada de a mulher dar-lhe o salvo conduto para ser feliz nos parcos anos que lhe restavam.

A cada minuto revia as horas. E elas escapavam céleres do seu viver confuso.

Até que um dia, do qual se lembra sem saudades, dona Joana partiu rumo a algum lugar indefinido. Seria o céu? Ou outro lugar enfim?

Não importava. Para ele, que contava horas, minutos, segundos para se ver livre da esposa, enfim chegou a hora de ser feliz. Antes tarde do que nunca.

Naquele ponto de vida Seu João quase chegou aos noventa. Não fosse o quase ele chegaria sim.

Mas, durante a noite ele parou de respirar. Aquele senhor que a cada minuto pensava ser feliz, num átimo de segundo viu o fim chegar.

Dizem, quem foi ao seu enterro, em sua lápide fria constava a seguinte frase.

“Aqui jaz João. Um homem que a cada minuto sonhava ser feliz. Mas só percebeu que para ser feliz não basta ficar pensando em cada minuto que passa. E sim viver intensamente o dia de hoje. Sem pensar no amanhã. No que vai ser depois do depois de amanhã. Deixe o futuro chegar sem se preocupar”.

Isso pra mim é a máxima para ser feliz.

 

 

 

 

 

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