Já tive pressa

Uma vez em plena juventude deixava-me tomar pela pressa do afogadilho.

Não tinha tempo pra nada. Os estudos, a ambição de ser alguém, entravam-me entranhas adentro como uma lufada de ar quente.

Era jovem ainda.

Deixei minha Lavras amada em busca da formação profissional. Deixei minha casa na Rua Costa Pereira com o coração na mão. Meus pais ficaram torcendo para que meus sonhos se concretizassem. Foram tempos bons aqueles. A escola de medicina me acolheu com seus cadáveres cheirando a formol. Com seus jalecos brancos, com seus enormes compêndios de medicina, com meu colegas que como eu sonhavam ser médicos algum dia.

Seis anos se passaram naquela correria desenfreada. Ia caminhado veloz por aquele passeio ladeado pelo parque municipal. Árvores de rica copa desejavam-me bom dia.

Passava o dia inteiro na azáfama da correria. Eram disciplinas complicadas. Anatomia era a que mais gostava.

Mas chegavam os finais de semana. E lá vinha eu de volta a casa onde cresci. Na mesma rua que daqui se avista. Perto do clube aonde ainda vou aos finais de tarde.

Como tinha pressa naqueles idos anos. Eram os estudos que me faziam ter pressa de um dia ser doutor.

Aqui cheguei com o diploma na mão. Depois de passar um ano inteiro em terras do estrangeiro. Foi na Espanha que concluí minha formação. E aquele ano passou depressa. Com que saudade voltei ao meu chão.

Ainda me lembro dos primeiros anos. Desdobrava-me entre três hospitais. Operava pelas manhãs. Levantava-me durante as madrugadas frias. Para tentar controlar alguma hemorragia que por acaso fazia o paciente sofrer com as sondas entupidas. Um coágulo ou outro me tirava o sono. De segunda a sexta-feira, ia sábados adentro, trabalhando como um cavalo charreteiro, que não tem tempo ruim para levar o latão de leite morro acima.

Foram mais de vinte anos naquela rotina apressada. Até as chegadas bem vindas de outros colegas de especialidade para ajudar-me na lida.

Ainda me sentia jovem. Os plantões faziam parte dos meus dias de pressa exagerada. Chegava à casa exausto. Quase não tinha tempo ou disposição para brincar com meus filhos. Que não seguiram o meu caminho. Escolheram outras profissões que não a minha. E são felizes a sua maneira. Sem a minha pressa de então.

A partir dos sessenta anos tento impor novo ritmo ao meu trabalho. Deixei o carro estacionado à sombra de uma árvore. Uso as pernas no meu cotidiano sem pressa.

Acordo cedo. Sem pressa de chegar onde estou. Das seis e meia as oito escrevo meus textos diários. As crônicas retratam o cotidiano que tento fazê-los díspares.  Tento driblar a rotina sempre enfadonha. Por vezes não consigo. Mas tento.

Hoje não tenho tanta pressa como dantes. Agora me deixo levar pelo que minha vontade dita.

Já não tenho ambição como nos tempos de outrora. Aprendi a ser feliz com o pouco que tenho. Que é muito mais que muitos iguais possuem.

Agora sou feliz fazendo o que aprecio. A medicina ainda me seduz. A urologia ainda faz parte do meu eu. Como a literatura ocupa metade do que sou.

Sou feliz a minha maneira. Mais contido. Menos voluptuoso. Menos apressado. Enfim.

Ontem tinha pressa. Agora ela não faz parte de mim. Deixei a pressa recostada à cadeira de balanço. Ela não tem pressa de gangorrar tanto. Como eu tinha. Nos verdes anos da minha juventude perdida.

 

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