O homem incrédulo ( este homem sou eu)

Aquele homem bom, que sempre viveu para o trabalho, aos quase setenta anos descria de tudo e de todos.

Foi criado numa rocinha perdida na solidão do fim da estrada.

A renda do leite era o que o mantinha vivo. Duas dúzias de vacas mestiças era o que sobrou do seu plantel de uma boiada inteira.

João Solidão era um sujeito a moda antiga.

Não se acostumou as modernidades dos tempos hodiernos. Ainda cozinhava num gasto fogão a lenha. Vivia só. Era ele e o que dele restou. Depois de uma vida atribulada.

Quando caía a tarde, quase noite, se preparava para dormir, ainda se permitia ao luxo de assistir a uma velha televisão. Era o único elo que o mantinha ligado ao que se passava do lado de fora daquelas terras perdidas entre o fim do mundo e o vazio do nada.

Através dela se informava das notícias do mundo lá de fora.

Eram apenas notícias ruins.

Roubalheira, corrupção, balas perdidas que encontram inocentes em seu caminho, um enorme fosso social que tomava conta do país à deriva.

João Solidão não tinha tempo para pensar na vida. O trabalho duro o atazanava. Ele sonhava com a aposentadoria. Afinal foram tempos perdidos na lembrança contribuindo para pagar as prestações de um carnê amarelecido pelo tempo. Aos setenta anos pensava enfim poder gozar de um salário mensal. Soma inglória que talvez o permitisse viver mais folgadamente. Mas, ao agendar uma visita a tal agência da cidade perto, descobriu que seu sonho fora adiado sine die. Faltavam alguns anos mais para se aposentar definitivamente.

João acabou ainda mais descrente nas pessoas. Em todas elas apenas via desencanto, mentiras, falsidades.

Em verdade apenas cria nos animais de sua propriedade.

Nos quais depositava seu voto de confiança. Principalmente nas vacas de seu curral.

Um dia um compadre, vizinho de cerca, a ele pediu dinheiro emprestado. Nunca mais viu a cara do sujeito. Desde então referendou a sua descrença.

Antes de completar setenta e um anos, naquele início de dois mil e dezoito, era abril entrando em dias, pela mesma televisão pode ver, numa noite indormida, que um tal juiz tido durão, acabou por condenar um ex-presidente a dura pena de prisão. Depois esticada para dois anos mais.

Uma operação que se arrastava há anos tantos prometia acabar com maracutaia nacional. Ela se chamava lava-jato.

Depois de infrutíferas tentativas de mandar à cadeia o tal petista, na noite de ontem, quatro de abril, enfim um tribunal de estância superior acabou por referendar a condenação.

João Solidão enfim se viu mais animado. Pensou ele, descrente que sempre foi, que o país tomaria jeito.

Mas não foi bem assim que aconteceu.

O ex-presidente recorreu. Foram aceitas as alegações da defesa. Mais tempo passou desde então.

Em um ano tudo voltou como era dantes. O ex-presidente venceu as próximas eleições. Contrariando a voz do povo. Principalmente aquele ordeiro e trabalhador. Como sempre foi o João Solidão. Cujo sobrenome era Incrédulo da Silva.

Dois anos depois o país naufragou. A corrupção voltou ainda maior que antes. A bandidagem tomou o poder. Nunca mais se teve sossego por aqui.

Antes de completar setenta e cinco anos João Solidão se foi. Morreu durante o sono. Sonhando com dias melhores para o seu país amado.

Em sua frase lapidar alguém deixou escrito: “aqui jaz um homem incrédulo, que tentou acreditar mas não conseguiu.”

É como me sinto agora. Neste cinco de abril.

 

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