Fechando as porteiras e abrindo outras

A vida não estava sendo fácil para Tião Madrugão.

Apelido herdado bem cedo. Bem explicado pelo sono limitado há poucas horas apenas. Tião, desde mocinho, e olha que estes verdes anos se vão longe, dormia ao cantar das galinhas. Empoleirava-se junto delas. Numa cama de um quartinho acanhado. Onde só tinha aquela cama de colchão de palha.  Uma cômoda do lado. E um urinol debaixo.

E como era trabalhador o danado! Dava conta sozinho de cuidar do rebanho inteiro. Que constava de vinte cabeças de vacas em lactação e a metade a espera de entrar no curral.

Não se deu com um empregado de carteira assinada. O safado tomava mais pinga que a melhor vaca do plantel dava na primeira ordenha. E aparecia para o trabalho trocando as pernas. Mais trôpego que a mula manca que um dia morreu no mata-burro que dividia os pastos.

Aos quarenta anos Tião resolveu repartir a solidão com uma vizinha de cerca.  Mas pouco durou a nova vida. Dona Margarida deixou o já rodado Sebastião alegando falta de paixão. Foi quando descobriu que estava enrabichada pelo motorista do velho caminhão leiteiro. E com ele partiu nas chuvas de verão.

A safra de milho daquele início de janeiro não vingou. Chovera na época errada. Por isso os pezinhos de milho não cresceram a exemplo do ano passado.

A produção leiteira foi reduzida a metade do previsto. Numa manhã, da qual não se recorda com saudades, a melhor vaca, parida na noite anterior, foi encontrada morta por picada de cobra venenosa como a língua da dona Margarida. A mesma que fugiu com o dono do caminhão leiteiro. Deixando o velho Tião a ver navios encalhados no leito seco de um rio que secou na entressafra.

Entrou abril. Despediu-se março.

A situação do país, de nome Brasil, ia de mal a pior. Nas cidades não se falava noutra coisa. Um juiz prometia punir os corruptos e corruptores sob o rigor da leis.

O desinfeliz Tião a tudo assistia pela televisão. A única diversão que o fazia deitar depois do jornal das oito e meia. Nem a novela via.

Mais animado frente às últimas novidades, quando anunciaram a prisão de um chefe de quadrilha que um dia foi presidente, Tião acordou depois de um sonho bom.

Sonhou que as coisas mudaram. O preço do leite subiu às alturas. Passou a custar mais que uma garrafa inteira de cerveja na mesa do bar. Sonhou ainda que a roça de milho não pendoou. E na colheita encheram dez silos pelas bocas. As vacas, durante o sonho, engordaram a costelas vistas. E que as galinhas passaram a botar ovos de duas gemas. Amarelinhas como o sol que no alto brilhava.

Tão logo se refez do sonho, de olhos bem abertos, era antes das cinco da manhã, já do lado de fora da casinha tosca deparou-se com uma cena que o fez chorar.

A roça de milho foi invadida por um bando de capivaras famintas. Nada restou dela senão tocos de pés de milho sem uma espiga para contar a história. A vacada havia varado a cerca para comer o canavial do vizinho. Um sujeito arreliento de nome Nicanor. Que não apenas prendeu as reses no curral como fez churrasco da melhor delas.

O já cansado Tião fez upa para retornar a boiada ao seu lado de cá. E ainda levou um falatório na orelha do antipático Nicanor.

Duas semanas se passaram desde então. Nada de o sonho colorido se ver maduro. As coisas na roça foram à bancarrota do arroto. Assim como a situação do país.

O ex-presidente foi levado à prisão. Mas foi solto logo depois. Sob a alegação de nada ter feito. Ele jurava inocência. E os juízes, os mesmos que lhe deram voz de prisão, voltaram atrás.

E decidiram, por quase unanimidade, que o ex poderia se candidatar novamente. Naquele outubro que em breve há de chegar.

Até hoje não sabia no que iria dar.  Só soube ao apagar da luzes da eleição de outubro. Sabem quem foi eleito? O ex que um dia foi presidente.

Foi então que  descobri onde foi parar o velho Tião Madrugão.  Ele fechou as porteiras de sua roça. Mudou-se pra cidade. Entrou para o tal PT. E logo ganhou um cargo de alta relevância na capital federal.

Na manchete do jornal do pós-pleito, li, juro ser verdade, que o novo ministro da agricultura se chama Sebastião Madrugão da Silva. Velho conhecido. Cujo currículo se resume em poucas linhas: ele teve a porteira fechada. Perdeu toda a vacada. E ainda por cima deu calote no banco. Por sorte teve a sorte mudada. Graças à bandalheira a que estamos acostumados.

Até quando? Não se sabe.

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