” Tô criando coragem”.

Valentia, denodo, eram virtudes indelevelmente grudadas àquele caboclo de mãos caludas, nascido de umbigo e tudo na roça, de onde vieram seus aparentados.

Daí o seu apelido: Tião Valente.

Ele nunca deixou de levar desaforo pro curral. Caso dissessem que havia se acovardado logo retribuía com esta: “Eu. Desde que vim a este mundo jamais fugi da briga. A ela encaro como um dia vi pela frente uma cascavel enorme. Não só lhe mordi o rabo como retirei o guizo que até hoje guardo como um troféu ao lado da cama”.

Além de valente Tião tinha a fama de ser homem de ser homem ao quadrado. Era tanto farto para cima quanto pros lados. Media um metro e noventa. E quando a balança o via com olhares de puro medo os ponteiros acusavam bem mais de cento e cinquenta quilos. Isso depois de um regime que jurava fazer. Mas não resistia nunca a um bom prato.

A honestidade era outra virtude inerente ao bom homem da roça. Sua palavra dada valia mais que dez carros milho. Cheio pelas beiradas.

Durante toda a mocidade o jovem nunca se viu em dificuldades com a saúde. Era o que ele tinha de melhor. Desde a tenrice da idade.

Embora obeso todos os exames laboratoriais sempre foram dentro da normalidade. Não se lembrava de ter algum diabético na sua árvore genealógica. Mas sempre algum amigo o lembrava da possibilidade.

Quando alguém o recomendava fazer exercidos Tião desdenhava do conselho. Com a seguinte alegação: “não sinto nada. Pra que correr na estrada se minha vida já é uma correria danada. Levanto antes das cinco. Durmo ao cantar do galo. Faço coisas que até Deus duvida. Pra que ficar de bobeira suando a beça. Se o suor já me empapa o corpo antes do almoço? O que dirão da hora da janta? Apenas depois do banho descanso esperando o outro dia que começa antes da aurora”.

Quiseram os anos que eles passaram rápido como a seriema em carreira no alto do pasto.

Tião passou dos cinquenta. Com a mesma disposição de dantes.

Fora a gordura farta que se mostrava no corpanzil pesado ele não tinha queixa nenhuma. O fôlego não lhe faltava. O desejo de trabalhar nele sobrava.

O tempo era escasso naquelas bandas perdidas entre o ocaso e a falta de caso.

Tião foi informado, por uma agente de saúde, que um dia passou por ali, que na sua idade deveria fazer o tão falado exame, que investiga uma glândula escondida num lugar que muitos julgam ser apenas de saída. Embora hoje em dia existam muitos que apregoam que tudo aquilo não passa de ledo engano. Principalmente os amantes do mesmo sexo. No meu entender cada um usa seu corpo como melhor lhe aprouver.

Tião não quis nem saber como era o tal exame. Mas acabou sabendo que o médico especialista usa um dos seus dedos da mão enluvado. Depois de colocar o paciente naquela posição esquisita. E num minuto apenas, sem hesitar, diz que tudo vai bem o mal. Depende do toque sem retoque.

O exame da próstata é necessário a partir de certa idade. Apesar de não apresentar sintomas ele deve ser feito. Principalmente quando se tem casos de câncer de próstata na família. Doença perfeitamente curável se tratada em tempo hábil.

Um ano se passou desde a visita da agente de saúde. Tião chegou ao cinquenta e uns. Mais um, mais dois.

Um amigo chegado, que havia feito o exame, recomendou o mesmo urologista que lhe havia devassado a intimidade. “não doeu nada. Foi rápido e de muito valia. Agora sei que minha próstata está normal. No ano que vem repito o exame”.

Mas nada de o velho Tião Valente seguir-lhe o conselho. Continuava na sua casmurrice costumeira. Avesso a tais coisas que dizem que homem não faz.

Aos quase sessenta o já rodado Tião ainda não havia feito o toque. Alegando mil coisas. Todas elas sem razão convincente.

Até que uma vizinha de cerca a ele visitou. Dona Maria fazia parte das agentes de saúde da cidade perto.

Depois de um cafezinho coado na hora, acompanhado de uma broa de milho ainda quente, a bondosa senhor ao seu amigo perguntou, com a melhor das intenções: “Tião. Tá passando da hora de fazer o tal exame. Cria juízo homem. Você não tem fama de ser valente”?

Tião coçou a cabeça, fez cara de menino pego em fragrante fazendo arte e respondeu com mais esta: “minha amiga querida. Logo mais vou fazer o exame da próstata. Só lhe peco um tempo. Tô criando coragem”.

Um dia Tião criou coragem. Mas já era tarde demais. Ele morreu de câncer de próstata. Que poderia ter sido curado. Tempos antes. Bem mais.

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