Não pude escutar a sua história

Quantas vezes quantas a gente passa pelas ruas, apressado, pensando no que fazer nestes dias atribulados, muitas vezes desatentos ao entorno, e percebemos pessoas de mãos estendidas, desarvoradas, gente como a gente, e ficamos indiferentes àqueles apelos, pois o tempo urge, e nem ao menos paramos um cadinho, deixamos naquelas mãos vazias algum donativo, um bom dia, melhor sorte na vida, ou que seja um simples trocar de olhares de comiseração ou pena.

A vida nos trata de maneiras díspares. Uns têm tudo na vida. Já outros lhes falta o mínimo.

Em nosso país o desnível social é tão marcante que pode nos fazer cegos face à infelicidade de outrem. É a pressa que nos consome.

Nos meus mais de sessenta e oito anos tenho percebido que a miséria tem aumentado sobremodo. Por mais que o governo diga que ela tem minorado não é o que observo com meus olhos argutos.

O desemprego grassa como erva daninha no meu jardim descuidado. Cada vez mais pais de família perambulam desesperados pelas ruas de minha cidade. São pedintes jovens, velhos, pessoas que já tiveram tudo. E perderam com este tudo inclusive a dignidade.

Ontem passei por um deles. Era jovem. De boa aparência. Estava a caminho de casa a hora do almoço. Tinha pressa. Estava ao mesmo tempo cansado e desanimado.

Aquele fora um dia assaz complicado. No consultório poucos consultantes. Num posto de saúde muita gente aflita a procura de receitas para minorar-lhes as dores. Quiçá reduzir-lhes o sofrimento. E quem era eu para conseguir tal intento?

Uma hora se passou naquele atendimento rápido. Subi a rua rumo ao descanso. Já era quase meio dia. O sol brilhava quente. Céu azul, sem nenhuma nuvenzinha a indicar que mais chuva poderia cair. Creio que ela não vai despencar tão cedo.

No meio do caminho passei pelo jovem de mãos estendidas. Ao seu lado caminhava perdida uma linda garotinha. Por certo seria sua filha. A mãe da menina não estava presente.

Era perto de uma farmácia. Ele de lá saíra, com uma receita na mão, sem os fármacos receitados por algum colega. O mesmo não tinha dinheiro para aviar a receita. E deixou a farmácia sem norte.

Como de costume nada tinha no bolso da calça. Nem ao menos alguma pratinha. Ou uma quantia pouca para dar a ele.

De fone de ouvido ligado, não me recordo qual música ouvia, apenas percebi o apelo daquele pai desesperado.

E como deu vontade de parar um pouquinho. Depositar naquela mão espalmada nem que fosse um aperto de mão. Ah, se eu tivesse uma nota de alguns reais. De bom grado a daria. Na intenção de que ele pudesse comprar o remédio. Para tentar melhorar a dor de alguém. Talvez fosse daquela menininha linda que o acompanhava. E se ela estivesse com fome? Com sede? Com saudade da mão ausente?

Acabei deixando o moço sem poder fazer nada por ele. Bem certo que pouco. Que para ele seria muito. Quem sabe?

Subi a rua, cheguei a casa, pensando na vida.

Não tenho motivo algum para reclamar. E por vezes clamo tanto que não sei o quanto.

Da próxima vez que encontrar alguém como aquele rapaz irei parar uns minutos. Que não me farão falta. O tempo passa veloz. E a gente continua sem tempo para parar. Pelo menos para ouvir a história de vida que as pessoas trazem dentro delas. Não serão histórias felizes como as nossas. Mas vale a pena escutar.

De ouvidos tapados, sem tempo para conversar, nada poderemos ouvir. Se não capítulos de nossa própria história. Nada mais.

 

 

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