Mesmo assim ele canta

Cantar é sinal de estar bem com a vida. Ser alegre. Demonstrar felicidade.

E aquele passarinho amarelo sempre conheceu a vida por entre as grades. Caso alguém o livrasse de sua gaiola colorida não sei o que seria dele. Talvez ele ficasse perambulando, em voos curtos, sem saber aonde ir. E até viesse a morrer, de fome, de excesso de liberdade.

Conquanto aquele menino, nascido em berço doirado, onde não lhe faltava nada, vivia tristonho. Cabisbaixo, pensativo, sem ao menos saber sorrir.

Seus pais tudo faziam para que Pedrinho, este era seu nome, mudasse o semblante infeliz.

Na escola passava as manhãs entregue a pensamentos vazios. Não se integrava aos coleguinhas. Que o consideravam um estranho no ninho. Embora Pedrinho não fosse um passarinho.

Na casa do menino Pedro existia um destes pássaros canoros. Ele vivia desde filhote naquela jaula fechada.

Todas as manhãs a família da criança despertava aos sons do trinado do canarinho.

Não havia como mudar a atitude do menino. Ele crescia em tamanho. Não em felicidade.

Aos quase dez anos os pais o levaram a um médico especialista em alegria. Não foi o bastante pra mudar o status quo do filho que tanto amavam.

Pedrinho continuava do mesmo jeito. Amuado a um canto, de seus lábios crispados nunca se viu um sorriso aberto.

A vida passarinhava infeliz para o garoto mimado. Em sua casa abastada a tristeza predominava.

Da escola se evadiu por falta de prazer em ir às aulas. A professora amiga sempre alertava aos pais do menino da sua tristeza tamanha.

Aos quinze anos completos naquele ano o já criado Pedro continuava sem saber sorrir. Todos o consideravam uma aberração. Já que ele era nascido em família abastada. E não aprendeu a enxergar a vida com olhos de contentamento e admiração.

O canarinho continuava a cantar todas as manhãs. Do lado de fora da casa. Numa varanda que pouco recebia a luz do dia.

O pai de Pedrinho pensou em dar liberdade ao canarinho. Mas, ao ouvi-lo cantar mudou de ideia. O que seria do pássaro canoro, já bem velhinho, uma vez de fora da gaiola? Talvez ele não apreciasse a liberdade. E suplicasse para que o trancafiassem novamente.

Numa manhã de outono Pedrinho acordou do mesmo jeito de sempre. Triste, infeliz, sem vontade de viver, pensando em dar cabo da vida, mesmo sendo tão jovem.

Foi quando, antes de sair à rua, resolveu dar uma passadinha na gaiola do canarinho.

Foi quando, como de rotina, o canarinho da terra continuou seu mavioso canto. E com que encanto Pedrinho ouviu o canto do passarinho.

Passaram-se minutos, intermináveis horas, a ouvir cantar do pássaro preso na gaiola.

Pedrinho, de repente, não mais que num repente, viu alguma coisa se transformar em seu íntimo. Deu-lhe vontade de cantar. Acompanhando o passarinho preso na gaiola.

Ambos cantaram em coro a vida. Que de repente se tornou alegre para o jovem Pedro.

Desde então tudo mudou na casa antes recheada de tristeza. A alegria passou a dominar o entorno. Graças ao passarinho que nunca deixou de cantar.

Foi quando, nesta manhã de hoje, quando Pedro tentou conversar com o canarinho cantor, e a ele perguntou qual o motivo de sua alegria rotineira, mesmo estando privado da liberdade. O pássaro sempre alegre resolveu o impasse com esta explicação convincente.

“Mesmo estando aqui, entre arames, desde quando me entendo por pássaro, eu canto. Nem sempre meu canto indica alegria. Mas, como meu cantar me faz alegre, continuo a trinar meu canto. Pois a vida me encanta. Mesmo sendo ela triste”.

Pedrinho nunca mais deixou o sorriso de lado. E começou vida nova. Graças ao pássaro canoro. Que sempre cantava mesmo estando trancafiado numa gaiola, sem cortejar a liberdade que tanto nos faz falta.

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