O varredor de sonhos

Antenorzinho acordou cedo naquela manhã de outono.

Fazia frio. Um sol amarelo brilhava do lado de fora da janela.

Um galo carijó cantava empoleirado numa tábua do curral.

As vacas já estavam de prontidão para se deixarem ordenhar.

O pai de Antenor, homem bom, gente nascida e criada na roça, acompanhado de sua mulher, já estava prestes a encher os cochos de silagem de milho farta e cana picada de véspera.

Canarinhos da terra ciscavam o esterco do curral. Um cenário maravilhoso se desenha aos olhinhos atentos do garoto. Embora amasse sua família não seria aquela a vida que desejava para ele próprio. Era filho único. Contava com seis aninhos naquela manhã outonal.

Uma escolinha rural, que depois de mudou pra cidade, seria seu degrau primeiro para alçar voos mais altos. O sonho do menino Antenor seria cursar uma faculdade. A medicina lhe era o sonho. Embora soubesse das dificuldades enormes para entrar numa faculdade. Sendo nascido ali. Naquele pedaço de chão afastado do mundo. Um mundo que apenas conhecia pela televisão.

Mesmo assim Antenorzinho sempre foi bom aluno.  Se não o primeiro da classe um dos.

Não se dava com a matemática. Tinha aversão aos números. As ciências humanas eram seu pendor desde criança.

Como a escolinha perto de sua morada lhe permitia ir até o curso primário, teve, num dia do qual nunca vai se esquecer, de se mudar para a casa de um tio torto.

Lágrimas escorreram-lhe da face durante a despedida chorosa dos pais. Ultrapassou a porteira, numa velha Kombi, que o levou à cidade. Antenor contava com quinze anos naquela triste tarde.

A cidade o impressionou pela confusão do trânsito. Quase foi atropelado por um motorista apressado no primeiro dia da escola. Era uma escola estadual. Onde os estudos por certo não lhe facilitariam ser vitorioso do ENEM.

Mesmo assim o jovem advindo da roça não desanimou. Como não tinha recursos para pagar uma escola particular acabou, aconselhado por um amigo, se tornar jovem aprendiz.

Mas o que aprendeu foram apenas coisas ruins. Aquele não era um ambiente ideal para nenhum sonhador. Como sempre foi Antenorzinho.

Perto de completar dezoito anos, próximo a maior idade, Antenor tentou ingressar, através das notas do ENEM, na Universidade Federal de Medicina. Ficou por um pouquinho apenas.

No ano seguinte repetiu-se a mesma história. Não foi possível, mais uma vez, ver realizado seu sonho de um dia ser doutor.

Antenor persistiu em seu caminho. Quase, no ano seguinte, ficou por um cadinho a tão sonhada conquista.

Já era tarde da noite quando Antenor se viu em dificuldades. O tio que o acolheu acabou perdendo a vida.  A casa foi penhorada. Ele devia uma soma grande ao banco que cobrou a dívida indevidamente.

Antenor se viu ao desabrigo. Sem emprego, sem trabalho, acabou por se tornar morador de rua.

O sonho de estudar medicina foi de momento abandonado. Teve de ser adiado sine die.

Como precisava se manter naquela cidade, onde não tinha conhecidos, de repente bateu-lhe a fome. Debaixo do viaduto onde morava quando chovia era uma enchente só. Goteirava por toda parte.

Maltrapilho, a mendicância não era o sonho com o qual sonhava.

Foi quando conseguiu ser empregado como gari. Antenor passou a varrer as ruas das seis da manhã as outras seis o mesmo dia.

De vassoura na mão, desiludido com a vida, de estudante de medicina o infeliz Antenor passou a ser um varredor de sonhos.

E nunca mais foi feliz. Desde quando seus sonhos esboroaram-se.

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