Sonhos meus

Não tem sido do meu costume sonhar.

Aliás, dormir a sono dormido da mesma forma não faz parte da minha rotina. Como escrevi, em outro texto, tenho medo da noite.

Talvez o medo da noite tenha explicação. Este temor remonta aos tempos de criança.

Tinha o costume de passar as férias de fim de ano na fazenda de um tio por parte dos Abreus. Era o tio mais querido. Pena que Papai do Céu o tenha chamado tão cedo para viver ao seu lado. O gosto pela roça, pela singeleza do singelo, faz parte da nossa genética. Embora meu saudoso pai não tenha tido tempo para cuidar de vacas e outros bichos amigos. O trabalho no banco o consumia. Ele não tinha tempo para nada. E quando o teve adoeceu.

Naqueles idos anos, antes de ir à cama, num quarto espaçoso, numa destas camas antigas, longe do chão de tábua dura, costumávamos ouvir histórias de mulas sem cabeças, de lobisomens peludos, de fantasminhas nada camaradas. Eles, os fantasmas e coisas parecidas me faziam perder o sono. E eu passava noites indormidas assustado, pensando que estas aparições iriam me apanhar, caso eu deixasse a cama enfiado no meio de seus cobertores macios.

Subitamente cresci. Não muito. Mas envelheci. Ganhei idade. Perdi a querida mocidade para outros meninos iguais a mim.

Na noite de ontem, seis de junho, em meio a uma gripe marota, que me faz tossir uma tosse seca, afebril, ao ver uma chuvinha mansa tamborilando no vidro de minha janela, a que da para a seringueira desterrada, caí no sono. Foi um sono pesado. Devido ao cansaço que os anos me contemplaram.

Sonhei com o dia seguinte. Seria uma quarta-feira. No dia de hoje.

Sonhei com outra rotina não tanto enfadonha que me persegue há tantos anos.

Sonhei com um consultório cheio de pessoas sadias. As que exibiam problemas com sua saúde eu as contemplava com receitas milagreiras. Mas, as que aqui compareciam gostariam apenas de passar os olhos em meus escritos. Todas elas apreciavam livros. Acabei vendendo todos da minha lavra.

Mais tarde, da mesma forma sonhei, já que tenho de ir, por volta das dez, a um ambulatório de nome pomposo – AME, ali poder resolver definitivamente os queixumes dos consultantes. Não simplesmente fazer o papel de um triagista que apenas rabisca encaminhamentos a outros profissionais de cidades maiores. Já que na nossa as doenças de maior complexidade demandam hospitais conveniados com o SUS. Já que a Urologia é uma especialidade armada. A qual carece de aparelhos sofisticados, de cara resolutividade, e não os temos por aqui.

Sonhei, nesta noite que antecedeu o hoje, que a medicina brasileira, evoluída sobremaneira, trata de igual para igual quem tem recursos e os que não os tem.

Sonhei com um país melhor. Menos desigual, mais fraterno e amistoso, principalmente sem o grotesco desnível social que macula-nos os olhos, empana-nos a visão, faz-nos viver em constante desilusão.

No meio da noite, quase madrugada, tive mais sonhos. Não sei se foram sonhos. Mais chegados a pesadelos.

Sonhei que minha gripinha marota piorou. Dela sobreveio uma pneumonia febril.

Acordei num leito de hospital. Por não ter plano de saúde fui internado numa enfermaria qualquer. Em meio a dezenas de pacientes em estado pior que o meu. Um cheiro nauseabundo empestou-me as narinas. Tudo fedia a excremento humano.

Mas, para sorte de minha pessoa tive alta logo. Naquela noite escura, não sei se foi sonho, ou realidade, morreram dois ao meu lado.

Ainda me lembro, como se fosse agora, dos seus gemidos de dor.

Mais alguns sonhos ressonei na noite de ontem.

Que, ao invés de médico era fazendeiro. Devido à greve dos caminhoneiros tive de derramar ao chão milhares de litros de leite azedado. Outros vizinhos perderam tudo. Viram-se de repente sem nada. Devendo até a roupa do corpo. E olha que o inverno começava.

Este sonho ruim durou pouco. Acordei com uma vaca ruminando ao meu lado. Todo cagado de merda mole.

Não sei se outros sonhos aconteceram. Se foram apenas sonhos ou mais um desvario meu.

O fato retrato, o que acabei tirar dos meus sonhos, talvez fossem devaneios, denuncia nada mais que a realidade de um país à deriva.

Em poucos dias o futebol nos faz esquecer os tormentos por que passamos. Oxalá o Brasil não vença o certame. Mas logo cairemos na real. Pois a hora do voto logo chega. Tomara nossa escolha seja correta. E permita transformar estes sonhos ruins em dias melhores.

Não sei se irei sonhar de novo. Com um Brasil melhor. Espero.

 

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