Nem sempre a bola é redonda

Para ele, desde que se conheceu do lado de fora da barriga da mãe, uma pobre senhora que embarrigou sem querer, abandonada que foi pelo pai do menino, sempre que podia, e o tempo lhe permitia, sonhava ser jogador de futebol.

Naquele bairro de má fama, onde quem sobrevive à vida o faz com enormes dificuldades, pois só lhes restam caminhos obscuros: drogas, violência desmedida, quase sempre se tornando vítimas de balas perdidas, só pensam num caminho para chegar a algum lugar seguro.

O futebol lhes acena com seu campinho de várzea. Desta forma meninos espertos, que não têm o costume de ir à escola, dali se evadem bem cedo. No máximo concluem o ensino médio. Na hora de ir à faculdade são vencidos pelas dificuldades imensas que se interpõem entre eles e o diploma de curso superior.

Era esta a vida que Zezinho conheceu.

Nascido num morro agudo, onde se podia ver a cidade de longe, com suas praias intermináveis, como seu burburinho de carros apressados, o pobre menino sempre acalentou um sonho na sua vidinha curta.

Inspirado num coleguinha que deu certo no futebol, jogando num time da primeira divisão, Zezinho sonhava de olhos abertos seguir o mesmo caminho.

Bem sabia ele que apenas alguns são aproveitados. Outros logo se decepcionam. E quando acordam já é tarde demais. Perderam a chance de terem sucesso em outra profissão. Deixaram a mocidade para trás. Desdenhando dos sábios conselhos dos pais.

Mesmo assim Zezinho perseguia febrilmente o desejo de ser jogador de futebol famoso. Ganharia rios de dinheiro. Iria morar no estrangeiro. Colecionaria carrões. Mulheres aos montes se debruçariam aos seus pés que valeriam uma fortuna.

Aos dez anos completos teve uma oportunidade única. Foi levado por um olheiro para um clube da terceira divisão. Não teve sorte na ocasião. Por ser franzino, de pouca aptidão física, embora apresentasse um toque de bola magistral, não passou na peneira oferecida aos garotos que como ele amavam os Beatles e os Rolling Stones.

Mas Zezinho não desanimou. Continuou a jogar futebol naquele campinho cambeta, a espera de novas chances.

A escola podia esperar. A vontade de jogar, jamais.

Aos quinze anos, já com o físico mais avantajado, foi levado a outro clube numa cidade perto.

Ali fez relativo sucesso. Aos quase dezoito foi novamente encaminhado a um time importante.

Foi quando pensou que a sorte iria lhe sorrir. Depois de tantos fracassos.

Participou com seu clube de uma campanha memorável naquele ano que se perdeu na distância de suas lembranças.

Era a segunda divisão. Quase em vias de conseguir disputar o campeonato brasileiro. Faltava um jogo apenas. Zezinho, o goleador do time, foi o responsável pelo gol que deu a vitória ao seu clube.

Enfim o tão sonhado sucesso chegou. Zezinho foi considerado o melhor jogador. Goleador nato. Com a bola nos pés fazia diabruras com ela. Era um talento o nosso jovem atleta.

Mas pouco durou a carreira do nosso jogador. Lesões, contusões, até mesmo uma fratura na perna esquerda de repente apareceram aos menos de vinte anos.

Zezinho foi operado. Permaneceu mais de dois anos no estaleiro. Percebia um salário polpudo quando era a estrela do clube. Mas, do lado de fora dos gramados, era mais um em vias de se aposentar.

Aos menos de vinte e dois anos foi considerado inválido para o futebol.

Sem estudos, sem profissão definida, hoje o já idoso Zezinho olha os campos de futebol com olhos de nostalgia.

Mesmo assim ele observa os outros meninos. Tentando ser alguém no mundo da bola. Que nem sempre corre redonda.

Quem sabe um dia, neste mundo que gira ao redor de um eixo imaginário, neste país onde tudo deveria ser diferente, mas as coisas não estão em seus devidos lugares, garotos como Zezinho, e tantos outros, ao invés de futebol criem juízo.

Esses jovens, pobres jovens, ah, se soubessem o que eu sei, não pensariam tanto numa bola.

Ela pode por vezes correr redonda. Mas a vida passa. O futebol um dia ultrapassa os anos. Trazendo desenganos para os jovens iludidos com a mágica do esporte das chuteiras.

Nem sempre a bola tem a forma redonda. Ela um dia pode furar. E ficar achatada a um canto. E outros desencantos esperam os jovens que pensam ganhar vida com a bola nos pés.

Nem sempre isso acontece. E a ilusão dura pouco. Pena…

Deixe uma resposta