Aquele fim de beco

Lembranças me atraem. Reminiscências me assediam.

Por mais que tente me desvencilhar do passado lá vem ele, de longe, bater em meu peito carregado de lembranças antigas.

Bons tempos da minha doce infância. Vestindo aquele uniforme verde mata. Sobre ele um agasalho da mesma cor. Acordava cedo. Ia ao colégio com sede de saber. Daqui de cima avisto a minha casa. Quem mora nela ainda dorme. Faz frio. Embora o céu respire azul. Rosinha não aprecia os tempos frios. Quando por ali passo ela, assentada a uma cadeira, na varanda da casa dos meus pais, toma sol. E nele aquece seu ar de menina.

Naquela rua por onde sempre passo, ao cair da tarde, existia um beco escuro. Era nosso esconderijo. Lugar encantado, por muitos cortejado.

Nele encontrava alguns amigos. Meninos que a meninice levou.

Um deles merece menção especial. Temos quase a mesma idade. Um ano creio ele conta mais que os meus.

Eram gêmeos os meus amigos. Nascidos de uma família pródiga em filhos. Contava nos dedos todos das duas mãos quase vinte deles. Se não me equivoco eram dezesseis. Naquela família, que morava numa casa abaixo do nível da rua, a velha Costa Pereira, nasciam filhos a cada ano. Ainda me lembro, na minha infância perdida, quando nasceu uma penca de três.

Já eu vim ao mundo em outra cidade. Mas para aqui me mudei antes dos cinco. Por esta razão considero a querida Lavras minha mãe verdadeira. Já que na linda Boa Esperança poucos anos ali passei.

Os meninos nascidos na casa de cima, aquela que hoje não existe mais, eram meus companheiros de infância. Bendita mocidade que tanto busco e não mais encontro.

Eles eram amigos de verdade. Enquanto eu, e meu saudoso pai jogávamos tênis no clube que ainda mora no mesmo lugar, eram eles quem apanhavam aquelas bolinhas peludas, submissas às raquetadas, quando eram jogadas fora da quadra. Muitas se perdiam durante as partidas. Mas eram meus fiéis camaradas que as recolhiam aos montes. Já com a pelagem vencida.

No beco escuro daquela rua, ele não mais mora lá, brincávamos de pique- esconde. De jogar finca. De amarelinho. E outras tantas brincadeiras que não existem mais.

Um deles, o que ainda vive, de vez em quando aparece sorridente num posto de saúde onde trabalho em alguns dias da semana.

Com que alegria nos encontramos nas passarelas da vida. Seu irmão, gêmeo, nos deixou em tempos recentes. Uma insidiosa doença o recolheu de nossas lembranças. Um dia nos recolheremos também.

Naquele velho beco, escuro nas noites sem lua, era ali que cabulávamos aula. Creio que namoradinhas da mesma forma com a gente se encontrava. Nas tardes mortas de um passado remoto.

Um dia procurei por este beco escuro. Era uma noite escura. Sem lua.

Debalde foi a minha procura. Meus amigos não estavam mais lá.  Não encontrei nada do que procurava. Apenas lembranças fugidias cavoucavam-me fundo dentro do peito recheado de saudades mortas.

Nem aquele amigo, da minha idade, com o qual me encontro de vez em vez, foi possível revê-lo de novo. Soube, outro dia, que ele também passou ao outro lado da vida.

Pra onde foram os meninos da velha Costa Pereira? Quase nenhum pode ser visto nos dias de agora.

Hoje, doze de junho, dia ensolarado, sonhei novamente com aquele fim de beco. Não o encontrei em meus sonhos. Como também não encontrei o menino que fui. Nem ao menos os velhos amigos de infância. Muitos já passaram além desta vida. Como eu da mesma forma passarei.

Quando brincava naquele fim de beco, com meus velhos amigos de tempos idos, era feliz e não sabia quanto.

Já agora, com a juventude perdida na distância, quando procuro aquele fim de beco, e não o encontro, procuro a mim mesmo. Num passado remoto, que infelizmente se perdeu nas lembranças. De um tempo bom, que não volta mais. Por isso a saudade me trai.

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