Quem sou eu para me queixar de dores?

De uma semana para cá uma dor no corpo tem me acompanhado.

Deve ser reflexo de uma virose, própria destes dias frios, secos, sol acordando mais tarde, e eu sempre madrugão rotineiro.

Até estes sessenta e oito anos de vida, cheios de vida e plena de saúde, quase nenhum incômodo me bate as portas.

Não tenho o costume de visitar colegas. Conto nos dedos quando em seus consultórios entrei.

Uma herniazinha marota, resultado de esforço contínuo, faz-me lembrar de minha próstata crescida. Caso resolva operar esta hérnia inguinal, por certo deverei me recordar que antes a próstata deveria ser retirada. Para não retornar este pequeno abaulamento que trago na virilha. Hérnias inguinais são fragilidades da parede abdominal. E não me considero um fraco. Ao revés. Sou forte como uma bananeira que um dia soçobrou ao vento norte. Mas logo voltou a dar cachos. Um a um, até virar um montinho esquecido, prestes a virar esconderijo de uma galinha que ali fez seu ninho.

Da mesma forma que não posso me queixar de dores não tenho razão para reclamar de amores. Alguns passaram. Outros retornaram. Mas apenas um tem me acompanhado fiel a tantos e tantos anos. É a pequena grande mulher que dorme ao meu lado.

Sobre doenças, sobre enfermidades, tenho com elas uma relação de amizade.  Estranho falar em amizade com doenças. Mas elas fazem parte da vida. Vão e voltam, fazem reviravoltas em nossa vida, como o vento que passa.

Como médico tenho o prazer, neste ponto da vida, e olha que se estendem muitos anos desde quando milito na medicina, fazem mais de quarenta anos, de atender a pacientes em unidades de saúde pública.

Pra lá me dirijo com certa relutância. Talvez pela limitação que o cargo me oferece. Não tenho como resolver nem a undécima parte das doenças que ali me procuram. Faço o que posso. Dentro das limitações do ofício.

Ao ver uma pessoa, sem condições de me procurar no consultório, com uma patologia urológica a ser resolvida, simplesmente tento orientá-la. Encaminhando-a a um colega da mesma especialidade. Já que operações complexas não são oferecidas naquele posto de saúde desapetrechado de quase tudo. Menos da boa vontade dos que ali labutam. Todos sabem das dificuldades que o país atravessa.  Principalmente no quesito saúde e segurança. Não deixando a educação de lado.

Ontem me procurou um paciente antes conhecido. O pobre chegou atrasado. Motivo soberbamente explicado por estar incapacitado de andar. Ele veio em cadeira de rodas.

Meu antigo professor de dança de salão foi recém-operado dos dois joelhos. E como ele sofria com o inchaço de ambos. Parece que sua agonia estava longe de terminar. Um longo calvário de dor e sofrimento o esperava.

Ele me foi encaminhado para tratar de uma coisinha que deveria ter sido operada em criança. Depois de examiná-lo, com as limitações do espaço, concluí que sua cirurgia teria de ser adiada sine die.

A urina não saía a contento. Devido a um estreitamento no final da uretra. Resultado de uma fimose complicada.

Mas, com a infecção que os dois joelhos mostravam, com a dor que ele sentia, por ser diabético, sua fimose não poderia ser operada naqueles dias.

Ajudei o amigo de datas antigas a sair do meu consultório. Naquela unidade de nome pomposo, mas de baixa resolutividade.

Ao vê-lo me agradecer, sem ter feito nada, a não ser torcer para que sua saúde se transfigure em dias melhores, ao perceber que ele se retorcia em dores, pensei cá comigo.

Ando com uma dorzinha marota a me percorrer o corpo ainda forte o bastante para suportar mais dores ainda. Resultado de uma gripe que se arrasta há tantos dias.

E meu amigo de anos passados? Com tanta dor a cavoucar-lhe o cerne?

Não sei como ele está nesta manhã seguinte ao dia em que o vi.  Deve estar entregue a mesma cadeira de rodas. A espera de dias melhores. Que não sei se virão.

Já eu, saudável, fora alguns pequenos desconfortos, que logo passam, não tenho razão para me queixar de dores. De amores também. Por isso agradeço a vida que tenho levado. Tomara ela continue a sorrir, não apenas pra mim, como para amigos que sofrem dores e incômodos tantos que não se contam em anos. Eles sofrem com suas dores. E eu com pouquíssimos dissabores. Não tenho do que me queixar. Tanto. Ainda, entretanto.

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