Bandeiras a meio pau

Nas últimas semanas tenho visto, entre incrédulo e divertido, bandeiras verde amarelas desfraldadas pelas ruas ainda desertas.

Digo desertas por que saio às ruas bem cedo. Apenas folhas mortas atapetam o chão. Alguns trabalhadores madrugadores como eu se atrevem a deixar a cama. Quase sempre são as mesmas pessoas. Umas vão. Outras voltam. E eu sigo adiante, por vezes indiferente ao panorama nada alvissareiro por que passa a nação.

O comércio ressente-se da falta de compradores. Os profissionais autônomos observam seus negócios vazios. Uma crise de dentes afiados é fato notório por onde quer que se anda. E como eu ando pelas ruas, de olhos atentos, olhando aqui e acolá, percebendo tristonho tudo que se mostra no entorno. A saúde pública sobre ela tudo quase já foi dito. E nada muda no cenário repleto de cores que de repente enche os ares nos tempos de copa do mundo.

Bem sei que o mundo tem a forma de uma bola. Uma esfera que rola pelos gramados do mundo inteiro. Sobremodo nos dias atuais.

O Brasil para assim que a bola rola. Só falta decretarem feriado nacional.

Quase todos brasileiros lançam olhares incertos sobre o futuro do país. Não sei quem vai ser o vencedor da contenda. Por vezes penso. Talvez seria melhor que não fossemos nós. Por esta singela razão, depois da derrota, imprevista, voltássemos os olhos na direção do que interessa.

O fosso social cada vez mais profundo. A corrupção sendo contida, quando? A saúde mais assistida. A violência contida. A pobreza definitivamente enterrada. Não em cova rasa. Mas em verdade terminada.

Caso o Brasil perca no futebol, quem sabe os vencedores seremos nós? Bem sei que a copa passa. O povo brasileiro, mais e mais insatisfeito com os rumos da nação, consiga vencer a corrupção. E, depois que as bandeiras deixarem seus mastros, a copa do mundo findar, as cores verde amarelas ruírem por terra, no dia seguinte a derrota, afinal é hora de votar.

Em quem? Pergunto. Indago sem saber qual candidato é merecedor do meu voto. Por certo não será em nenhum jogador de futebol. Eles já ganham muito mais do que merecem. E trabalham muito menos do que a maioria dos trabalhadores brasileiros.

Com os quais me cruzo nas ruas, bem cedo.

De tempos pra cá tenho visto bandeiras verde amarelas sendo expostas aos nossos olhos. Depois elas voltam de onde vieram. Temos o costume, nada salutar, de nos lembrarmos de nossas bandeiras em ocasiões especiais. Como se o certame que ora começa fosse de fato especial.

Hoje é quinze de junho. Dia frio, cinzento. Tomara chova mais tarde. A terra precisa de chuva. Não tanto como do futebol.

Tenho visto, nas minhas andanças pelas ruas, cores vivas, gente a espera que o país vença. Mas eu não me convenço que a vitória seja mais importante nesta hora. Temos outras prioridades. Muito mais importantes.

Quase todas já foram listadas antes. Mas faltam muitas.

Bandeiras são vistas desfraldadas pelas calçadas. Passeios são tintos em verde amarelo. Comerciantes esperam vender muito nestes dias festivos. Em que a bola é a vedete do ano.

Mas, dentro da minha crença descrente, ao ver bandeiras no alto do mastro, tremulantes ao sabor do vento, que tal se elas fossem arriadas a meio pau?

Não temos motivos para celebrações. Ao revés. Podemos ser os melhores no futebol. Mas, em outros parâmetros deixamos muito a desejar.

Bem sei que a copa do mundo passa. E o que virá depois dela? Quem irá vencer a peleja?

Tomara sejamos nós, o sofrido povo brasileiro. Tenho minhas dúvidas. Como me assalta a certeza de que as bandeiras devem ser erguidas, em sinal de protesto, não no alto do mastro, e sim a meio pau. Neste infindável varal onde roupas toscas esperam o sol. Que ora brilha. Ora se turva tanto. Quebrando o nosso encanto. Que bom se tudo fosse deveras lindo. Como as cores de nossa bandeira. De um país que tudo tinha para dar certo. E não deixam. Por certo. Neste país incerto. Tido por muitos como ideal para se viver. Pessoas de convívio fácil moram aqui. Temos tudo para sermos felizes. Quase tudo. Pena…

 

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