Seu amor por aquele hospital estendeu-se além da morte

Aquela menina inteligente, alegre e inconsequente, sempre acalentou um sonho.

Queria ser médica. Cuidar das pessoas doentes, dedicar-se de corpo inteiro aos pacientes, passar a vida inteira como profissional da saúde, viver dentro de um hospital era seu destino por certo.

Até os quinze anos não arredava pé dos seus propósitos. Estudiosa, aluna exemplar, passava noites e dias de olhos grudados nos livros.

Seu nome era Mariazinha. No entanto, ao crescer, foi apelidada, por seu corpo um tanto fora do peso, de Marieta.

Mas a vida contrariou-lhe a vocação. Não teve sucesso no vestibular. Tentou, retentou, por vezes seguidas, e nada de conseguir trilhar o caminho lindo da medicina. Quem sabe como enfermeira poderia seguir caminho semelhante. Mas, por força do destino acabou desistindo. Mais tarde, já moça feita, já que a solteirice a ela abraçou, se bem que homens com ela ficaram, mas nenhum deles a satisfez, a jovem Marieta escolheu viver só.

Ela pensava que se bastava. Alegre, comunicativa, Marieta, embora não tivesse seguido a carreira da medicina, aos mais de trinta anos mudou de cidade. Da sua Itaúna querida veio ter a nossa comarca.

Ao passar perto de um hospital, aquele onde ainda trabalho, Marieta pediu guarida. Queria trabalhar naquela casa onde pacientes encontram o tratamento de suas dores.

Ali viviam almas caridosas. Freiras amáveis eram as enfermeiras prestativas. Dona Marieta juntou-se a elas. E só não vestiu o hábito por não ter a castidade prometida.

As freiras deixaram a Santa Casa. Dona Marieta tomou-lhes o espaço. Vivia numa salinha modesta deste mesmo hospital. Era ela quem cuidava das finanças, dos recebimentos dos honorários médicos, por anos e anos infinitos.

Ainda hoje ela pode ser vista caminhando tropegamente. A idade provecta a impede de caminhar por ela mesma.

Eis que passaram os anos. Dona Marieta ainda mora pertinho daquele hospital. Se pudesse ela viveria ali mesmo. Onde passou anos e anos em dedicação total.

Mas, como ninguém dura eternamente, eis que um dia dona Marieta faltou. Sua ausência foi sentida como quando alguém da família nos deixa. Foi numa noite de sexta-feira que a querida funcionária aposentada daquele hospital se foi.

Ao seu féretro compareceram todos os médicos, enfermeiros, gente da limpeza, creio não ter faltado ninguém.

Foi uma ausência sentida por anos e anos.

Dez anos após seu passamento, a salinha modesta da dona Marieta continua vazia. Dizem que ela ainda fica ali. Bulindo com um, cumprimentando a outro, sorrindo como de seu costume.

O amor que ela dedicava aquele hospital estendeu-se aos dias de hoje. Além da morte ela nos observa a todos. Com seu sorriso brejeiro, com sua doçura açucarada.

Dona Marieta, depois de sua morte, ainda vive dentro daquele hospital. Dentro da gente ela não morre nunca. É um amor grandioso. Que ela sente por todos.

Ainda hoje a vi descendo a rua. Seria ela? Ou uma miragem apenas? O fato é que Dona Marieta não morrerá nunca. Mesmo que ela venha a faltar. Pelo menos para todos nós. Que amamos a Santa Casa com o mesmo amor que dedicamos a nossa mãe em vida.

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