O menino que contava os pingos da chuva

Não chovia há anos naquele lugar ermo, distante de tudo e de todos.

Toninho era um jovenzinho triste. Morava na roça. Ao lado dos pais.

A pobreza extrema em que viviam, sem o mínimo para viver, fazia-o atormentado, acabrunhado, pensando sempre no pior.

O pai, gente valente, resignada, vivia da renda de algumas vaquinhas magras, e de alguns negocinhos que de vez em quando apareciam, naquela pobre rocinha escondida num lugar onde poucos chegavam. E se ali aportavam logo tomavam o caminho de volta.  Pensando que o endereço do inferno seria por lá.

Toninho ajudava ao pai quando podia. Mas era a escola o lugar que mais lhe apetecia. Estudava com afinco. Pensando um dia mudar de vida. Para um lugar melhor. Longe da pobreza, das dificuldades que no dia após dia a sua pequena família passava.

Na escola tinha a fama de bom aluno. Pelas letras tinha a maior simpatia. Até mesmo fazia versinhos, de pura candura. A chuva sempre fez parte de seus poemas. Da mesma forma que  vida na roça a ele calava fundo.

Antes de completar dez anos o infeliz rapazola teve um sonho. Sonhou que nas suas terras caiu uma chuva benfazeja, que tornou o amarronzado insosso da terra num verdume sem par.

Mas, ao acordar, constatou que tudo aquilo não passou de um sonho. A chuva tão esperada não via a hora de chegar.

O verão deu as caras naquele cafundó onde Judas esqueceu as botinas. A roça de milho recém-plantada nada cresceu. As vacas emagreceram à costelas vistas. O leite minguou. Se já eram pobre passaram a miseráveis. Faltava comida em casa. A mãe caiu enferma. O pai, desesperado, saiu às carreiras em busca de socorro. Mas a única ambulância do pequeno lugarejo estava avariada. A unidade de saúde, desapetrechada de recursos, nada pode fazer pela esposa gravemente debilitada. Quando a pobre mãe de Toninho conseguiu ser transferida para uma cidade maior ali chegou de olhos fechados. Ao seu sepultamento compareceram apenas alguns amigos próximos. Já que o lugar onde moravam quase não tinham vizinhos.

Toninho, à beira da sepultura da mãe fez uma breve oração. Pediu pela chuva e pela alma dos que ficaram em prantos.

Acompanhado do pai o garoto se viu numa encruzilhada. Ou permanecia ali. Ou se mudava para a casa de uns tios que viviam na cidade.

Decidiu fazer companhia ao pai. Sonhando com dias melhores.

Mas nada de novo, fora a saudade da mãe, acontecia naquela rocinha desencantada. A chuva não vinha. A terra ressequida dava pena de ver tanta poeira.

Mais alguns anos se passaram. A rotina enfadonha consumia os sonhos do jovem Toninho. Que continuava a fazer seus versinhos, todos eles carregados de nostalgia.

Um dia, do qual se lembra com o peito cheio de alegria, pela primeira vez, em anos, uma chuva grossa amanheceu molhando a terra desnuda.

Toninho quase não dormiu naquela noite antes estrelada. De repente tudo se tintou em cinza. Do alto relâmpagos e trovões ribombaram fazendo um enorme barulho.

Toninho deixou o cama antes das seis da manhã. E foi ao terreiro contar os pingos da chuva.

Dizem, nos arrabaldes, que choveu tanto naquele dia que uma enchente enorme engoliu tudo ao derredor.

Nunca mais Toninho foi visto depois dessa infausta manhã. Ele desapareceu num átimo. Antes que a chuva desse trégua, naquelas terras secas. Agora inundadas por uma enchente inesperada.

A roça onde Toninho morava acabou sendo palco de romarias. O jovem menino que contava pingos de chuva passou a ser cultuado como santo.

Ainda hoje, quando passei pelo mesmo lugar, descobri um pequeno caderno cheio de poesias. Estes versos falavam de pingos de chuva e da miséria em que viviam. De autoria de um garoto que desapareceu misteriosamente na enchente, de nome Toninho…

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