Algumas razões apenas

Tenho tentado, nestes anos todos que me assaltam, listar algumas razões para sentir-se feliz.

Primeiro deixo aqui, neste texto sumário, meu conceito do que seja felicidade.

Não existe uma mina de felicidade. Nem ao menos um lugar onde ela se esconda. Muito menos felicidade plena. Que nos acompanha sempre. Pois, ao mesmo tempo em que ela se esconde ela se mostra como a luz do sol, amarela, acalentando a terra, nesta manhã fria em pleno inverno.

Felicidade se encontra em gotas. Em pingos suaves. Que tamborilam na face da terra de quando em vez, não sempre. Quando menos a esperamos ela chega. Vem sem aviso prévio. Sem cartão de visita. Na forma de um sorriso de criança, de uma lembrança da infância, nas reminiscências para as quais sempre me volto, e acabo cortejando o passado como se ele fosse parte indissolúvel de um futuro, que sempre parte de um presente o qual sempre esperamos seja tranquilo, cheio de momentos bons, pois somos fatias de um bolo feito com açúcar e com afeto, depende de quanto a gente aprecie a vida como ela se mostra hoje, ontem, e sempre.

Hoje deixei a casa mais cedo do que o costume. O relógio assinalava antes das seis da manhã. Deixei na cama parte importante da felicidade que hoje tenho. Ela tem um nome: Rosa.

Estava bem frio. Mas o frio que mostrava o mostrador do relógio logo abaixo de minha casa não me fez menos feliz.

Acabei me acostumando ao frio. Inclusive o calor não me aporrinha tanto. Quanto nos velhos anos que fazem parte de um passado que não volta mais.

Uma das razões da felicidade que me acompanha agora é a tolerância bem maior às contrariedades. Não me descabelo frente às intempéries da vida. Elas fazem parte dela. E devemos enfrentá-la de cabeça erguida. Com o estoicismo dos bravos. Com a placidez de uma gaivota voando ou de um urubu planando.

Outra razão para ter descoberto minutos de felicidade, pois como disse ela não se mostra em todas as horas do dia, é fazer sempre o que aprecio. Tento fugir das contrariedades com todas as forças que tenho. E me dou o direito de fazer assim. Pois já vivi o suficiente para pensar dessa forma. Na plenitude da minha maior idade.

São muitas as razões para ter alcançado a plenitude d’alma. Deixei em algum lugar do passado a ansiedade que tinha para alcançar meus projetos. Agora, se não os alcancei, pelo menos tentei. E sou feliz com o que conquistei.

Consegui domar o furor da juventude. Correr pra quê? Se um dia todos iremos descansar em algum lugar. Tomara seja no alto de alguma montanha. E como Minas Gerais tem montanhas lindas . Como tem vales verdes, rios que cortam a natureza ainda preservada, a nós nos cabe cuidar dela como da saúde que em mim viceja como o lírio do campo que floresce a cada ano.

Tenho muitas razões para ser feliz. Nem consigo enumerá-las todas.

A começar pela saúde que, felizmente, ainda não me abandonou. Pela clarividência com que ainda sou dotado. Pela sanidade que penso ter. Embora sabedor que os limites entre a sanidade e a louquice sejam tênues como um fio de cabelo.

Nesta altura da minha maior idade não me considero velho. Talvez gasto. Um tanto carcomido pela ferrugem dos anos. Mas, bem sei, ou melhor, não quero saber, quantos anos mais tenho pela frente. Esta é, com certeza, uma das razões para ser feliz. Ignorar, ou tentar, não saber o que vai acontecer amanhã, depois de depois de amanhã, num futuro bem perto, que ele se alongue por anos e anos perdidos entre enganos e desenganos.

Tenho incontáveis motivos para ser feliz. Nesta altura da minha maior idade. Antes talvez não tivesse tantos. Pois, quando jovem, mesmo tendo tudo para ser feliz, não sabia ainda definir felicidade.

Daí, agora, sabendo onde a tal felicidade se esconde, nos mais improváveis lugares, nos raios de sol ao cair da tarde, na névoa densa que tem feito nestes dias frios, no canto dos passarinhos mesmo presos nas gaiolas, na sensação do dever cumprido, na lucidez dos anciãos, na alegria descompromissada com a responsabilidade dos meninos, na algaravia dos moleques empinando pipas coloridas, no silêncio das madrugadas campesinas, em todas as partes ela se mostra. Mesmo nos mais improváveis lugares.

Basta aprender a encontrá-la. Com agora aprendi. E não é tarde demais.

São tantas as razões para nos consideramos felizes, tantas e tantas, que se fosse listá-las todas, ficaria aqui eternamente, e não seria possível nomeá-las com exatidão. Cada um que faça a sua lista. De acordo com o que considera o que seja ser feliz.

Mas, no meu conceber, talvez a mais importante de todas seja conseguir, não sei se fui capaz, de deitar no papel parte delas. Já que todas seria missão impossível. A lista se estenderia além do infinito. E o infinito é tão distante, que não se consegue tocá-lo. Como o horizonte que daqui se avista. Não completamente…

 

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