A vida é feita de saudades

Hoje acordou um dia esplendidamente maravilhoso.

Nem frio ao exagero nem quente ao destempero.

Foi quando me lembrei do que é feita a vida. Não a sua gênese, segundo os cientistas.

Na definição de um poeta ela é feita de instantes.  Quando a gente nasce o passado nos recorda o tempo de criança. Ao crescermos tudo nos leva ao exagero. Muitos não crescem tanto. Ficam sempre do tamainho de um menino. Que bom se este tempo durasse para sempre.

Tempos depois a gente passa de criança a jovem esperança. Muitas se esboroam pelo vidro da janela. Deixando-nos ver que nem todos os sonhos se materializam.  E as frustrações acontecem quase sempre.

O que seria da vida não fossem os sonhos sonhados. Os amores passados. Ou até mesmo o tal passado que me cavouca sempre. Com ele nascem as saudades que os anos encheram-me o peito deste sentimento estranho, difícil de definir, melhor sentir.

A vida, para ser completa, deve ser plena de amor e amizade. Tudo isso rima com saudade. Da primeira namorada. Do cachorrinho peludinho que um dia morreu por tentar nos defender de outro canzarrão que ameaçou-nos a integridade pertinho de nossa casa. Saudade da nossa infância perdida que os anos não deixam voltar.

Tudo nos leva a sentir saudade. Sem querer lá vem ela, durante o sono, tão frugal nos dias de agora.

Meus pais já se foram. Levando com eles uma saudade imensa. Tios já partiram rumo a um lugar ainda não conhecido. Um dia vamos nos encontrar com eles todos naquele lugar infinito.

E vamos levar na bagagem não roupas e utensílios de uso pessoal. E sim uma mala lotada de saudade dos que ficaram atrás.

Hoje sinto saudade dos que partiram. Amanhã alguém vai sentir saudade de mim. Não o que fui. Um médico especialista em urologia. Talvez minhas crônicas vão ensejar saudades mais do aquele que as escreveu.

A vida é feita de momentos lindos. Mas se não fosse a saudade, as lembranças que se eternizam, não sei se a beleza faria parte da natureza.

Ela deve ser vivida não apenas pensando no que vem pela frente. Pois, o que ficou atrás não pode, nem deve, ficar indiferente.

Hoje sinto tanta saudade de tanta gente. Que nem cabem nos dedos das duas mãos. Seria preciso um caminhão inteiro, enorme, para levar tanta saudade que a vida levou em suas horas lacrimejantes.

Hoje pensei, durante a noite, curta, como sempre, de que é feita a vida.

Bem sei que ela nasceu, para cada um de nós, naquele momento mágico do nascimento. Ela tem um significado díspare para cada pessoa. Uns tem a felicidade por terem sido gerados numa família unida, amante dos filhos, que venham netos para completar a felicidade que sinto agora. Mas para outros, menos afortunados, a mesma vida não é plena de bons momentos. Ela se desvia do caminho trilhado por uma entidade que não se deixa ver. Por culpa de quem? Ainda não sei.

Sei apenas que a tal vida, que nos deram de presente, é tão linda como o dia que hoje amanheceu. Mas, para sabermos admirá-la mister se faz abrir os olhos. Como a criancinha que descobriu a mãe pela primeira vez.

De tempos pra cá tenho pensado muito sobre a vida. Por que seria? A resposta não a sei responder. Talvez pela idade em que me encontro agora. Beiro os setenta. E não sei quanto tempo mais estarei aqui.

Só sei, dentro a angústia de pouco saber, que a vida sem saudade, sem passado, não tem a intensidade nem o lirismo que penso ter.

O que seria dos seres pensantes sem a nostalgia que carregamos dentro da gente? Sem aquela pitadinha de saudade. De amor, de amizade.

A vida deve ser vivida em intensidade plena.  Isso aprendi com o viver. Antes que as doenças nos pilharem, em algum ponto da vida, antes que a morte nos venha buscar, antes que a memória nos atraiçoe, por que não permitir que a saudade nos acompanhe?

Ela é a companhia ideal durante o caminhar da vida. Até que esta mesma luz que me alumia ceda lugar a escuridão total.

Hoje faz sol. Durante a noite fica tudo escuro. E, mais uma vez pergunto: de que cor é a saudade? Ela tem a cor de um dia lindo como o de hoje. Céu azul, sol amarelo, Nenhuminha nuvem no alto.

De tempos pra cá tenho me indagado de que é feita a vida. Em cuja composição não deve faltar saudade. Sei que ela nasceu num dia longínquo.  Eu não estava presente. Mas a saudade já havia nascido. Há muito tempo. Desde que o mundo é mundo. Desde o começo dos tempos.

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