Já foram questões que me apoquentaram

O que fazem os anos com a gente!

Não apenas nos deixam velhos como também menos despreocupados com o porvir.

As preocupações que afligem os jovens são diferentes: por que caminho seguir. Qual profissão abraçar. Em quem confiar. Desconfiando sempre. Quanto dinheiro irão ganhar. Qual carro deverão comprar. Quando deixarão de brincar. E tantas outras, tantas, que peco caso não as nomeie todas .

Já os de maior idade já passaram por todas estas encruzilhadas. Por elas enveredaram-se. Se erraram nalguma delas não da tempo de mudar o caminho. Já que o fim está próximo. A um tiro de espingarda de grosso calibre. Atingindo distâncias imprevisíveis.

Como sempre desço ao trabalho em horas tempranas. Passar a noite inteira deitado na cama a mim me reservo o direito apenas depois do último suspiro. A escuridão e o marasmo da escuridão da noite são péssimas companhias. Fora a mulher que dorme ao nosso lado renego os lençóis e o cobertor que me agasalha nos tempos de frio.

Amo as madrugadas. Adoro acordar bem cedo. Trata-se da melhor hora para escrever. Aqui, no silêncio do meu consultório. Na solidão do meu nicho de médico escritor.

Quando desço a rua, com meu fone de ouvido ligado desligo-me do mundo ao derredor. Como as músicas me inspiram. Como me sinto bem escutando também a algaravia dos canarinhos da terra ciscando o esterco do curral, quando para minha roça viajo, quase sempre aos sábados.

Coincidentemente, a hora que os portões daquele colégio estadual se abrem, por ele entram jovens em busca de formação e informações preciosas, pelo mesmo espaço passo.

Uma vez ou outra adentro por ele. Ali, aquelas pequenas bibliotecas sempre exibem livros meus. O último ainda não foi deixado. Em tempo o farei.

Já conversei com os alunos daquela escola. Fui entronizado a eles graças à juventude que um dia experimentei.

As suas pretensões quanto ao futuro são diametralmente díspares das minhas.  Não poderia ser diferente. Já que por aquelas idades já me aventurei.

Não me preocupa mais o dia seguinte. Não sei quantos mais me restam. Da mesma forma que não me sobe a cabeça o que serei.

Aos jovens, aos meninos por quem já passei, quantas indefinições os martirizam? Quantas dúvidas em suas cabeças ainda perambulam? Por quantos amores eles passarão? Terão filhos? Serão avós? Por quanto tempo viverão.

Já a minha pessoa, já bem andada em anos, pra mim tanto faz. Como tanto fez. Se vou viver mais dez anos. Vinte, talvez. Não estou nem aí. O que conta é viver feliz. Não me apoquentando se a chuva despenca. Ou se ao inverno sucede o verão.

A profissão já está definida. E como tem sido bom tentar amenizar dores. Aplainar dissabores, enxergar naquele corpo sofrido o caminho da cura.

Como médico ainda não me sinto realizado. Embora não tenha a preocupação de grandes operações a experiência acumulada em quase uma vida tem-me feito melhor do que fui. Aprendi a escutar. Antes de emitir o diagnóstico. Aprendi com os anos a tratar o paciente. Não a doença que o aflige. Evito exames desnecessários. O que tem sido bom para mim procuro aplicá-lo a quem me procura.

Já a aqueles jovens, com quem me cruzo pelas ruas, ainda cedo, as indefinições os afligem. O que serão, por onde passarão, como irão proceder nesta ou naqueloutra situação, não fazem mais parte das minhas questões.

Aprendi a me contentar com o que consegui. Se foi pouco, ou muito, não me descabelo. Pois os parcos pelos que tinha antes quase todos já se despediram.

Já aos garotos quantas metas ainda lhes são listadas?

Agora, nesta altura da minha quase perda da mocidade, já a perdi faz tempo, não mais sou refém da pressa do afogadilho.  Já percorri caminhos longos. Trilhas intermináveis.

Apesar de não mais pretender atingir maior idade, salvo em plena consciência, quem sabe quantos anos mais terei pela frente?

Os jovens terão vida longa. Salvo se alguma fatalidade atingi-los antes da hora.

Já aos velhos só lhes restam se prevenirem contra maiores enfermidades.  Eu faço a minha parte.

Qual profissão eleger. Qual caminho seguir. Se viverei quantos anos mais.  Se vou ser feliz de agora em diante. Deixo aos jovens estas indefinições.

Estas querelas não fazem parte de mim. Tanto faz, tanto se desfez. Pelo desencanto dos anos que tive. E ainda os terei pela frente. Tomara com a mesma clarividência de agora. Com a mesma irresponsabilidade de outrora.

 

 

 

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