Quanto tempo eu tinha…

Ah!, este implacável tempo. Que se mede em dias, horas, anos, meses, intervalos insuspeitáveis, que ninguém fica livre dos seus ponteiros.

Não existem pessoas que acordam, seja na hora que for, que não vão direto ao relógio, fitam com olhos sonolentos o quanto marcam as horas, da cama se despedem, vão ao banheiro, olham o que diz o espelho, e observam, com imensa incredulidade, o que tempo faz com a gente.

Não há como não ficarmos indiferentes à marcha inclemente do tempo.  Ele passa. Ultrapassam os anos, por eles nos enveredamos, e acabamos ficando à mercê da passagem do tempo.

Talvez seja por este motivo que tenho aproveitado ao máximo a luz do dia. Acordo quase junto ao sol. Deixo a lua dormindo em seu leito estrelado. Hoje quase não se vê o céu. Ele nasceu encoberto por nuvens cinzentas. Tomara mais tarde ele acorde. Sou refém da luminosidade. Amo o amarelo do dia. Dias cinzentos enegrecem-me a alma.

Durante a noite sonhei com o tempo. Vi-me criança. Na inocência da minha meninice peralta.

Quanto tempo faz isso? Muitos e muitos anos.

Naqueles verdes anos o tempo me sobrava. Não me via no espelho. Mal sabia ler as horas.

O tempo que tinha era usado para folguedos primaveris. E como eu brincava quando em menino.  O futuro não me apoquentava. Muito menos o presente, nem ao menos o passado, naqueles verdes anos era tão curto, que dele nem me lembrava.

Tinha tempo para ir à escola. Ali o tal tempo não passava. Não via a hora de chegar o recreio. Naquelas alamedas cheinhas de árvores passei os melhores anos de minha vida. Era criança. Não o ancião que agora tomou conta de mim. Com menos tempo para curtir a chama que ainda crepita no meu coração que bate ainda forte. Numa cadência de compasso que caminha a passos rápidos para o envelhecimento irreversível do tempo.

Quanto tempo tinha para aprender o que agora sei. Embora saiba que quando pensamos ter aprendido tudo ainda resta muito para completarmos o aprendizado. É o que a vida me tem ensinado. A ver o tempo ruminar quanto tempo ainda me sobra. Nestes bem vividos sessenta e oito anos de vida.

Naqueles verdes anos da minha juventude, quanto tempo mesmo que faz?, não imaginava o estrago que os anos fazem na gente.

Antes só tínhamos esperanças boas. Hoje elas se tornaram realidades duras.

Nos velhos tempos o tempo nem era contado. Só tínhamos uma preocupação a nos ensombrar as ideias. O que levar na merendeira. Que lição estudar. Qual matéria era de nossa predileção maior.

Mas, o mesmo tempo que remava a nosso favor agora navega em águas caudalosas. Aparecem as doenças. As dificuldades que a idade traz.

Naqueles anos nada era difícil de vencer. Agora tudo fica mais complicado. Fácil de constatar. Basta andar pelas ruas. Os desníveis de passeios. O trânsito que atropela as ruas. O consumismo que nos rodeia.

Para o ancião a vida não oferece as mesmas oportunidades de antes. Para as crianças a vida ainda não lhes prega tantas peças. Tudo é sorriso para aquelas carinhas alegres. Para os velhos as rugas não mais encantam.

Como o tempo conspira contra a gente. Com sua marcha inclemente. Com seus passos largos.

Hoje acordei cedo como de costume. Olhei para os ponteiros do relógio que tenho na cabeceira da cama. Ele mostrava antes das seis. Bem antes. A cama sempre me cospe nesta hora madrugada. Lavo o rosto sem me olhar no espelho. A imagem que ele mostra não me agrada. Como dantes.

Antes o tempo não era tão premente como agora. Agora ele se tornou inimigo figadal dos meus muitos anos.

Conto as horas pensando no tempo. Conto minutos. Segundos contam.

Antes a passagem do tempo não me atazanava os pensamentos. Agora tudo mudou. Pensando justamente no tempo.

Ao comparar, quanto de tempo eu tinha, com o quanto de tempo que me resta, seria melhor não dar tanto tempo ao tempo. Pois bem sei que ele passa. Eu passarei. Nós passaremos. E o indesejável tempo não para. Comecei este texto antes das sete. Agora já são sete e meia. Logo logo o dia termina. Menos um em minha contagem de tempo. Todos estamos em contagem regressiva. Não há como impedir o progresso do tempo.

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