Encontros e desencontros

O que é a vida senão uma sucessão de idas e vindas, de adeuses e até breves, de volte logo e quem se deseja que volte não retorna jamais.

O que é a vida senão apertos de mãos, que podem se transformar em animosidades, por motivos quaisqueres, banais?

O que chamamos vida nada mais é do que nascer, passar um tempo aqui, cada um tem sua data de se despedir.

Já eu chamo vida acordar cedo, deixar a casa envolta em suas lembranças de quando ali passamos, já que a maior parte dos anos vivemos para o trabalho, embora para muitos não seja tão prazeroso como tem sido pra mim.

Pelos caminhos da vida tive encontros soberbos. Quando pela primeira vez vi meus pais com que alegria eles me receberam. E eu, filho ainda mal sabendo quem eram eles, apenas chorei envolto em meus cueiros.

Mais tarde, depois de compreender a razão de estar vivendo, já compreendendo o motivo de ter vindo ao mundo, por um segundo tive a clarividência de entender, no sorriso dos meus pais, toda a felicidade de terem me gerado.

Apenas mais tarde vim a saber o porquê de tanto amor a mim dedicado. Por anos e anos mais tarde, depois de adulto formado.

Durante estes sessenta e oito anos de vida tive encontros que me causaram alegria. Mas depois estes mesmos encontros se tornaram mais fugazes. E acabaram se tornando desencontros que me causaram saudade.

Quando desço a rua, bem cedo, via de regra me encontro com uma professora que sobe a rua em direção à escola. Enquanto ela sobe vou no sentido contrário. Cumprimentamo-nos cordialmente. Apesar de não saber qual o seu nome nossos encontros sempre são cordiais.

Perdi a conta de quantas vezes passamos um pelo outro. As nossas horas são coincidentes. Embora furtivos nossos encontros são feitos de breves momentos.

Um dia, quando descer a rua, tenho o desejo de perguntar-lhe o nome. Apenas sei que ela é professora. Nem ao menos imagino onde ela ensina. Deve ser perto de onde moro.

Nossos encontros são fugazes.  A conta de dar um bom dia, bom trabalho.

Depois saímos um em direção contrária ao outro. Temos atividades díspares. Sou médico e ela ensina como viver a vida aos mais jovens.

Hoje passei por ela. Mal tivemos tempo de dizer um ao outro o bom dia costumeiro. Ela tinha pressa. Por certo estava atrasada. E eu sempre apressado para chegar ao consultório.

Mais um dia começa. Lá fora o sol se abre num sorriso amarelo. Agora ainda faz frio. Mais tarde esquenta.

Amanhã devo me encontrar com a professora novamente. Outro dia nos espera. No mesmo trecho do passeio. Talvez mais acima ou mais abaixo.

Quando a vir amanhã, durante o nosso entrecruzar de passos, sempre céleres, vou tentar alongar nosso encontro. Vou perguntar qual o seu nome. Para onde ela vai. Em qual escola ela leciona. Onde ela mora. E mais dúvidas que tentarei elucidar.

Sei que a vida é breve. Feita de encontros e desencontros. Um dia encontrei meus pais. Eles se foram. E, durante a nossa permanência juntos, não tive a chance de dizer o quanto os amava. Não digo que foi por falta de tempo. Tempo tivemos, tantos anos que foram, antes que eles partissem.

Sempre que desço a rua passo por aquela professora. Mal nos cumprimentamos. A pressa desatinada nos consome. O trabalho rotineiro nos chama.

Quando passar novamente por ela, amanhã, num dia qualquer, cuidarei de abreviar meus passos. Trocaremos um dedo de prosa. Falaremos de amenidades. Vou procurar saber um pouco da sua história.

Já que a vida passa num piscar de olhos, não sei quanto tempo mais estarei aqui, nem ela, muito menos, por que não fazer de nossos encontros breves, que um dia serão mais um desencontro, uma amizade genuína? Que se estenderá por tempos mais. Até que a morte nos separe. E torne nossos encontros uma página virada nesta linda estrada que se chama vida.

Uma dia tive meus pais junto a mim. Já não os tenho mais. Por quanto tempo viverei? Quantos encontros ainda terei? Na próxima vez que passar por alguém, que me seja caro, não terei pressa. Farei com que aquele breve encontro se eternize, se não para sempre, por mais tempo, muito mais.

Amanhã por certo encontrarei com aquela professora de novo. No mesmo ponto da rua. Pelo mesmo passeio. Vou cuidar para que aquele breve encontro não seja apenas mais um desencontro. Por que não? Vou fazer de tudo para que ele se estenda um cadinho mais.

Quem sabe perdendo mais tempo em nossos encontros, consigamos alongar os anos, em muitos mais?

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