Momentos de nostalgia

Hoje acordei com um frio extemporâneo a fustigar-me os sentimentos.

Deixei a cama à hora de costume. Portas fechadas, janelas cerradas, nada podia predizer o frio que fazia lá fora.

Ao olhar pela janela percebi o brilho do sol. Um sol de sorriso amarelo, pálido, tiritante de frio.

Passei pelos olhos a água fria do lavabo. Meus olhos semicerrados quase não viram o clarume do dia.

Num quarto ao lado dormia sossegado meu segundo neto. Gael, por não ter-lhe ouvido o choro, creio que ainda dorme tranquilo.

Seus pais velam por ele. Já aconteceu o mesmo comigo.

Pensando no Gael comecei o dia. Trata-se de uma quinta-feira, véspera de um feriado.

Remeti-me à infância. Em direção aos verdes anos que passaram tempos atrás.

Ela se foi num respiro de olhos. Aos sessenta e oito anos ainda não me sinto tão velho que não possa acompanhar meus netos em seus folguedos.

Ontem mesmo Theo passou por aqui. Comemos pipoca juntos. Brincamos de assombração.

E quando ele me deixou uma sensação estranha abocanhou-me por dentro. Quanto tempo mais me resta de vida? Quantos anos mais aqui estarei?

Hoje, ao sair de casa, por sorte agasalhei-me a contento, ao olhar o relógio os ponteiros marcavam oito graus centígrados. E o sol já havia se levantado fazia tempo.

Pensando no Theo e no Gael, em suas tenras idades, nos seus sorrisos ingênuos, ao me recordar dos anos que comemoro, não mais insiro velinhas nos bolos de aniversário, uma nostalgia imensa passou a corroer-me as entranhas. Não sei se poderei acompanhar o crescimento dos meus netinhos. Não serei capaz de vê-los formados. Homens feitos, jamais.

Desci a rua antes da hora costumeira. Um frio ventoso fustigava-me as orelhas.

A sensação térmica era de menos de oito graus. No alto o sol brilhava. Mas não dava conta de afugentar o frio que eu sentia. Apressava os passos. Debalde.

Pensando na mocidade perdida, no menino que fui, e não voltarei a ser, nos netos que ainda terei, uma súbita tristeza apoderou-se de mim.

Certo que não terei tempo de acompanhá-los por muitas horas. No máximo por alguns anos a mais. Até quando viverei? Até quando poderei sonhar? Por quanto tempo a saúde vai estar enraizada dentro de mim?

São perguntas para as quais não desejo saber a resposta. Prefiro ficar na indefinição.

Agora são quase sete horas da manhã. A temperatura externa parece ter esquentado. Aqui dentro está agradável. Mantenho as persianas fechadas. Para tapar um pouco os raios de sol.

Mas as persianas de minhalma ainda se mantém intactas. Fechadas, indevassáveis, pois não me sinto a vontade para encarar o sol frio que pulsa lá fora.

Espero a chegada do primeiro paciente. Começo as oito a atender meus consultantes. Agorinha mesmo um deles chamou-me ao telefone. Delicadamente o atendi. Tentei explicar que agora o médico não se encontra. Apenas o escritor mora dentro de mim.

O sol brilha forte do lado de fora da janela. Olhando para ele não fui capaz de abrir os olhos. A luz intensa ofusca-me as retinas.

Parece que o dia de hoje, véspera de independência de um país que não consegue encontrar seu brilho próprio, vai continuar ensolarado. Claro, nenhuma nuvem branca empapa o brilho do sol.

Minhalma continua fria. Taciturna, sombria. Tomara, com o passar das horas, consiga deixar a melancolia de lado. A tristeza por vezes toma conta de mim. Em alegre alternância com as horas de alegria.

Meus netos agora estão dormindo. Não os vejo. Mais tarde os verei.

O sol brilha forte. Um frio fora de tempo, ajudado pelo vento, faz com que meu peito se encha de sentimentos díspares.

Assim é a vida. Que deve ser vivida em intensidade plena. Pois, melhor que assim o seja, somos um poço profundo de desconhecimento.

Hoje estamos aqui. Amanhã, quem sabe?

A luz do sol brilha forte do lado de fora da minha janela. Mantenho as persianas fechadas. Inclusive as persianas da minha alma.

Deixe uma resposta