O homem só

Sempre que o vejo, a qualquer hora do dia, aquele homem de certa idade caminha só.

Penso que ele vive na própria companhia. Não tem família. Pelo menos assim acredito.

Embora a solidão o acompanhe ele é dotado de uma cordialidade tamanha que salta aos olhos de quem o conhece.

Não sei como ele foi batizado. Pode ser Antônio, ou João, ou outro nome qualquer.

O fato inconteste é que ele anda solitário pelas ruas da cidade. Deve morar debaixo de um viaduto qualquer.

Veste-se com algum esmero. Trajes talvez herdados de alguém com maior envergadura que ele. Pois as roupas que ele veste caem-lhe mal. Ombros largos demais, calças lambendo o chão, camisas largas que sobram pelos punhos.

Hoje mesmo o vi. Ele dormia a sono pesado debaixo de uma marquise. Acompanhado por um fiel escudeiro, um cão de cor indefinida, talvez devido à sujeira que lhe manchava o pelo antes negro com a asa da graúna.

Assim que passei perto de onde dormia ela nem fez menção de abrir os olhos. Continuou em seu sono profundo, talvez sonhando com o fim do mundo.

Noutro dia aconteceu quase igual. O homem solitário dormia noutro local.

Era uma manhã fria. A temperatura girava entre seis graus centígrados e sete, se tanto.

O pobre dormia com algumas cobertas em frangalhos cobrindo-lhe o corpo esquálido. Mal se podia ver-lhe a face. Seu rosto ficava totalmente coberto por um cobertor escuro. Encardido, poder-se-ia dizer.

Passei por ele deixando uma nota de cinco reais. Tomara ela lhe fizesse companhia, atenuasse-lhe a fome, fosse suficiente para o café da manhã.

Noutros dias não o tenho visto. Nos mesmos lugares ele não passou a noite. Por onde andaria aquele homem sozinho? Teria se mudado de cidade? Ou simplesmente, pensei, por sorte alguma alma boa dele se apiedasse, a ele oferecesse guarida, nalguma casa de desabrigados.

Uma semana se passou. Um mês se foi.

Aquele homem só não mais foi visto pelas ruas da cidade. Até nos dias de hoje, uma segunda-feira de sol radiante, céu azul até demais.

Parei o carro na porta de um supermercado. Por um minuto apenas. Minha esposa entrou porta adentro na intenção de comprar pães para sua fábrica de roupas.

Sabem quem entrou pela mesma entrada? O tal homem só, a quem julgava desaparecido.

Gostaria de conversar com ele. Interpelei-o cordialmente.

Ele, numa atitude de desconforto e surpresa, acedeu ao meu questionamento.

“Quem é você? Qual o seu nome.” Perguntei de chofre. Antes que ele desparecesse de meus olhos inquiridores.

O homem só olhou pra mim, desviou os olhos, e partiu sem resposta.

Desapareceu em meio a multidão.

Mais uma semana avoou. Célere, veloz como um raio.

Não mais vi o homem solitário. Aquela foi a última vez.

Hoje, dez de setembro, ipês florescendo a cada dia, ao chegar ao meu consultório, pela internet vim a saber notícias do homem só.

Por um site noticioso fui informado que encontraram um pobre desabrigado morto naquela noite fria. Seu corpo foi encontrado por outro morador de rua. Sem lenço, sem identidade, não puderam saber quem era ele.

Até hoje, movido por uma curiosidade mórbida, gostaria de saber quem seria o homem que vagava solitário pelas ruas da cidade.

Seria apenas mais um. Dos tantos que dormitam pelas ruas.

Logo seria esquecido pelas autoridades. De um país que trata desigualmente pobres e ricos.

Quantos homens sós vivem por aqui? E quando deixam de existir não causam espanto. Infelizmente é assim.

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