Já decidi o meu voto

Zé Aroeira mal dormiu a noite pensando no que dar de comer aos filhos. Que haviam se bandeado pra cidade. E nunca mais teve notícias deles. Seus paradeiros eram ignorados.

A crise mostrava os dentes aguçados naquele início de primavera.

A chuva não dera o ar da graça. A poeira tintava tudo da cor de palha prestes a ser comida pelo fogo.

O tal Zé morava na roça. Num lugar distante de tudo e de todos. Por vizinhos só tinha o tal de Nicanor. Caboclo arengueiro, que não se dava com ninguém.

A última vez que recebeu uma visita, já desiludido pela solidão, foi de um cobrador mal encarado, que ali compareceu em endereço errado, e como foi difícil fazê-lo mudar de opinião.

Zé vivia entre os animais dóceis como ele sempre foi. Vacas, galinhas, porcos famintos, e até uma seriema arisca que de vez em quando aparecia, avessa ao contato com os humanos.

Mas ao qual dedicava a maior afeição era uma mula baia, valente e tinhosa, seu trator, animal que nunca recusava serviço, sempre pronta a levar a carroça cheia de latões de leite puro, de vez em quando misturado à água da mina, ao alto do morro quando o caminhão leiteiro não descia o morro topetudo, quando o barro fresco fazia atolar as rodas do caminhão.

Zé deu nome à mula de Esmeralda. Por honra e glória a uma cabocla a qual amou no passado, que acabou desistindo do casamento por causa de um sujeito com fama de rico, que em verdade era um patife danado. Até hoje Zé sonha com a tal Esmeralda. Nunca a esqueceu. Daí o chamego profundo pela mula, a qual considerava sua mulher de verdade.

Dizem, nos arrabaldes, que Zé faz amor com ela. Embora ambos dormissem em quartos separados.

Naquele ano maldito a roça de milho não deu coisa que prestasse. A vacada faminta não deu o leite esperado. O preço da ração foi às alturas. Nem as jabuticabeiras floresceram. Foi em verdade um desastre aquele ano de dois mil e dezoito.

Antes que seus olhos se fechassem no cair da noite Zé Aroeira, já exausto pelas lidas do dia, assistia ao jornal nacional. Ali se punha a par das novidades do país.

Só notícias ruins eram mostradas naquele horário nobre. Roubos, violência desmedida, falcatruas de todos os tipos, e, para fechar o noticioso o âncora mostrava os últimos dados da pesquisa eleitoral.

Não se sabia, até o presente momento, quem seria eleito ao cargo de presidente do país. Muitos pleiteavam a intenção de voto. Ainda estava indefinido quem seria guinado ao cargo de maior responsabilidade. Aquele que iria nos dirigir, embora todos fossem quase iguais. Só mudava a fachada.

Zé, aos quase setenta anos, nunca havia deixado de votar. Sempre comparecia à urna, ali deixava seu voto naquele em quem mais confiava.

Mas, naquele ano ingrato, recheado de políticos safados, não havia ainda definido em quem votar.

Desconfiado sempre, encabulado, véspera do pleito Zé foi à cidade montado na mula Esmeralda.

Com a melhor sela que tinha, depois de um banho no capricho, até que a mula Esmeralda ficou em verdade um brinco.

Ainda sem saber em quem dar seu voto, bando de arruaceiros empunhavam bandeiras com as fotografias dos candidatos, nenhum era do seu agrado, quando chegou-lhe a vez de comparecer a urna, Zé Aroeira empacou.

Uma longa fila ansiosa esperava atrás. E Zé ia e voltava. Indeciso, sem saber da sua escolha.

Prestes a cair a noite, a votação encerrava-se dali a meia hora, enfim o indeciso Zé, depois de pensar muito, acabou tomando uma súbita decisão.

Olhou para a mula Esmeralda, amarrada a um poste de luz, deu-lhe uma piscadela de olhos, e deixou a urna feliz da vida.

Todos queriam saber em quem Zé votou.

Falando grosso foi esta a resposta do Zé Aroeira: “como o nome de Esmeralda não consta entre os candidatos, acabei votando em quem mais se parecia com ela”.

Todos, despertados pela curiosidade, pensaram em quem seria o escolhido do Zé.

Na minha modesta opinião Zé Aroeira acabou votando no burro branco.

Entre todos os postulantes ao cargo maior da nação quem seria o tal? Só depois do dia sete de outubro vou saber. Não digo antes para não perder meu direito ao voto. Ainda não decidi a minha intenção. Assim como o Zé estou indeciso.  O certo é votar com consciência. Fazer um pais melhor só depende de nós. Maldita indecisão. Ainda dizem que Zé Aroeira a levou pro caixão. Juntinho a ele foi enterrada a mula Esmeralda. Tomara não enterrem o nosso malfadado país. No ano que vem nos lembraremos do quão foi importante o nosso voto. Tomara não seja tarde demais.

 

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