Qual seria o sabor da velhice?

Já experimentei de quase todos os sabores.

Doce como jabuticaba madura. Azedo como o sumo do limão sem açúcar. Carinhoso como o abraço de mãe. Amargo como por vezes pode ser a vida.

Mas, hoje, cedo, quase madrugada, ao acordar de uma noite mal dormida, véspera de uma segunda- feira, céu escuro, o sol parece não querer mostrar a carantonha amarela, sofismei sobre qual seria o sabor da velhice.

Reportei-me a minha infância perdida. Fui além dos vinte anos. Vi-me criança. Doce infância.

Que saudades daqueles anos quando a responsabilidade ainda não me levava nos braços. Quando o menino que morava dentro de mim só pensava em folguedos.

Nas férias de fim de ano passava quase um mês inteiro na roça de umas tias avós. Leonor, Mariana, que hoje voaram ao céu, com que prazer recebiam os sobrinhos netos naquela casinha pequenina. Onde havia um enorme fogão a lenha, quatro quartos que avistavam um grande pomar, onde frutificavam vários pés de jabuticaba.

Irrigando aquelas árvores gigantes um rego d’água saracoteava saltitante por entre elas. Até um incansável carneiro, um artifício que levava água até a horta de couve, e era daquela água de mina que nos servíamos dentro de casa.

Uma mesa ampla, com mais de vinte lugares, era onde almoçávamos. A comida era feita pelas tias avós. Como eram deliciosos aqueles petiscos.

Não via a hora de as férias chegarem. Tomava leite ao pé da vaca. Foi então que despertou meu gosto pela roça. Até hoje, quase um ancião com alma de menino, brinco de ser fazendeiro, embora não tenha aptidão nem conhecimentos para saber o porquê de o leite ser branco emerso de uma vaca preta.

Lembrando-me de minhas queridas tias avós, do quanto as queria bem, veio-me a mente, na noite de hoje, os diversos sabores que a vida tem.

Tantos entes queridos se foram. Tanta gente boa não mais está aqui.

Sendo impossível nomeá-los a todos, temo esquecer-me dos principais, restrinjo-me, agora, apenas as tias avós.

Tia Mariana e Leonor partiram rumo ao infinito. De onde estiverem velam por nós.

Meus pais da mesma forma fitam-nos com olhos saudosos. Da mesma maneira que penso neles todos.

Lucubrando sobre os sabores de tantas coisas, do sumo doce da jabuticaba madura, de um brigadeiro recém-inserido na boca, do beijinho doce da primeira namorada, neste dia chuviscoso, cinzento, tristonho, pensando justamente na idade em que cheguei, quantos anos mais aqui estarei, veio-me a baila outros sabores. Mais fáceis de identificar.

Bem sei o sabor de uma manga madura. De uma pitanga vermelhinha. De um limão fácil descobrir-lhe o azedume. Da mesma forma sei avaliar o sabor de uma grande perda. Quantas já tive. E quantas ainda terei.

Voltando tempos atrás, da minha infância perdida, que os anos não trazem mais, quando passava férias na roça das minhas tias avós, lembrando-me, com saudades delas, foi que redescobri, agora mesmo, qual seria o sabor da velhice.

Ela não tem a doçura de uma jabuticaba. Muito menos o azedume de um limão. Nem ao menos a candura de uma mãe amamentando um filho.

A velhice tem sim o sabor da saudade. Misturada a doçura de uma laranja da ilha. Daquelas bem doces. Da mesma forma pode ser amara. Como as perdas que a gente experimentou.

Tias Mariana e sua irmã Leonor têm o sabor de tudo isso. Adocicado pelo sumo do amor.

Deixe uma resposta