Sô Zé Nogueira

Nunca vi uma pessoa tão afável quanto ele.

De posse da sua idade provecta, anos e anos nos costados, despedida a mocidade, usando aquele par de óculos de lentes grossas como a nossa amizade, quando ele aqui não comparece como sinto-lhe a falta.

Pontualmente ele vem à consulta todos os anos. Acredito que contam mais de trinta. Desde quando o operei de próstata. A operação foi um sucesso. Agora ele urina sem nenhuma dificuldade.

Mas, zeloso com sua saúde, Sô Zé, ferroviário aposentado, ainda morando em Ribeirão Vermelho, chega sempre bem cedo. Madrugão como eu, este ano ainda não tive o prazer de tê-lo assentado aqui, na cadeira a minha frente, com aquele jeitão cortês, próprio de gente refinada.

Creio que o amigo Zé anda bem de saúde. Apesar de sua coluna sempre vergada ao peso dos anos, com sua falta de ar que o incomoda tanto.

Onde estaria ele? Neste dia vinte e cinco de setembro? Por certo caminhando lento, pelas ruas da sua cidade amada.

Tomara meu amigo Zé aqui venha para me fazer uma visita de cortesia. Como ele não tem aparecido faço votos que ainda esteja vivo.

Com aquela fidalguia camarada, com aquela fala refinada, com seu olhar de lince sob aquele par de óculos dependurado na ponta do nariz adunco.

Ontem mesmo soube notícias do meu amigo. Disseram-me que ele passa bem. Fora as inconveniências próprias da maior idade.

Mas, desejo ver pessoalmente a sua cara risonha, o seu jeitão costumeiro, sempre a me desejar bom trabalho quando da sua despedida.

Sô Zé tem estado ausente das consultas desde há um ano atrás. Pela sua ficha, vetusta como ele, deveria ter aparecido no mês passado.

Tomara outra enfermidade não o tenha feito cair de cama. Bem sei da precariedade da sua coluna. Seu coração não bate com a mesma ritmicidade dos velhos anos. Mas Sô Zé nunca vai perder a fidalguia. Jamais.

Faltam quase três meses para o ano se despedir da gente. Outubro logo chega. Depois dele entra novembro. Em dezembro perto faço mais um ano de vida. Logo estarei setentando.

Meu querido paciente coleciona bem mais anos que os meus. Tomara ele chegue aos cem.

Há um ano atrás ele aqui compareceu. Pedi-lhe todos os exames de rotina. Por sorte eles nada mostravam de anormalidade. Sua próstata extinta nem mostrava sinais de ter sido removida. Seus rins produziam urina como se fossem novos. Apenas seu coração idoso claudicava. Sua velha coluna rangia. Ele mal podia caminhar.

Quando ele deixou-me a sala, depois de um exame sucinto, Sô Zé Nogueira, cidadão aposentado, oriundo da velha Ribeirão, prometeu voltar no ano vindouro.

Mas ele se ausentou. Sinto-lhe a falta. Tomara logo ele aqui compareça. Com seu olhar bondoso, com sua fidalguia costumeira, com sua fala pausada.

Onde estiver, meu amigo Zé, por favor, não se esqueça dos velhos amigos. Eles são as melhores coisas que poderiam me acontecer.

Já que está em falta, tomara por uma causa justa, a você, amigo de longa data, venha logo me fazer uma visita. Que seja apenas para comentar sobre amenidades. Falar de política, quem sabe?

Zé Nogueira é uma pessoa impar. Na sua ausência falta-me aquele abraço fraterno, aquela cordialidade sem igual. Somos mais que um médico e seu paciente.  Bem mais, penso eu.

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