Agonia de Chico Bento

Uma semana antes da decisão de suma importância para o país onde morava, o qual amava a exaustão, aquele sujeitinho de bem com a vida, sempre atarefado, vivendo pelo trabalho, ainda não havia decidido em quem votar nas próximas eleições.

Chico procurava se informar por todos os veículos de comunicação.

Embora vivendo na roça, desde nascido, a televisão em preto e branco era a única que podia comprar.

De vez em quando a danada ficava fora do ar. Principalmente quando a chuva deitava seus pingos gordos, o céu era riscado pelos trovões.

Mesmo assim o homem do campo sempre ficava atento às últimas notícias.

A sua vidinha humílima não estava sendo nada fácil.

Vivia da renda do leitinho magro. De vez em quando fazia algum negocinho. Vendia um gabiru, trocava uma vaca sem futuro por outra mais nova. Algumas vezes levava manta. Mesmo assim, sofrendo todas as desventuras, caso o levassem para a cidade seria por certo seu fim.

Naquele ano de dois mil e dezoito contava com quase setenta anos de idade. Mesmo sujeito a toda a sorte de atropelos Chico era feliz e bem o sabia.

Vivia cantarolando a sua solteirice. Não que não apreciasse a companhia de uma fêmea. Teve durante a sua vidinha modesta alguns casos. Mas nenhum deles que se comparasse a uma tal de Marieta, pela qual jurou amor eterno. Mas ela o deixou por um caminhoneiro. Depois de ter experimentado a boleia nunca mais quis ver o cheiro do pobre Chico.

Chico sempre votou no tempo certo. Algumas vezes viu seu voto vencido.

Mudou de partido como mudava de roupa. Certo que desta vez teria acertado.

No entanto, assim que seu candidato era empossado, continuava tudo de novo.

A roubalheira aumentava, a corrupção ia de mal a pior.

Daquela vez, certo de ter feito a escolha correta, Chico pegou a condução para ir à cidade. Depois de se informar do currículo de todos os postulantes ao cargo máximo da nação, desfeita a indecisão, Chico, achegou-se a urna com aquela cola grudada no bolso da calça novinha.

Mas, por uma fatalidade, a tal cola desapareceu. Como fazer frente a tal percalço? Não poderia perguntar a ninguém qual o número do seu candidato. O presidente seria mais fácil. E os demais?

Naquela dúvida cruel, vendo pessoas à espera, Chico apertou várias vezes as teclas. Apareceram dizerem que o colocaram cada vez mais com a pulga atrás da orelha.

Ao ver a cara sorridente do seu candidato a presidente não deu outra. Recaiu nele a sua escolha.

O tempo passava. E Chico não sabia a quem endereçar os outros votos. Acabou digitando números quaisqueres. E da urna saiu sem saber em quem tinha votado.

No dia seguinte, tentando acompanhar a contagem dos votos, foi quando caiu uma aguaceira danada. E a velha televisão saiu do ar.

Até no dia de hoje, oito de outubro, o velho Chico ainda não sabe se vai ter segundo turno.

O trabalho não lhe dá trégua. As vacas não esperam.

Mesmo assim, fazendo figa para que o país encontre seu caminho, Chico continua na lida. Vida dura que sempre conheceu.

A agonia por que passa o Chico Bento é a mesma por que passamos nós. Entra ano, nasce outro e a mesma ladainha continua.

Foi quando me perguntaram o país que desejo para nossos filhos. Em nada parecido a isso que aí está. Bem melhor que aquele que tantos Chicos desejam. Sem a nossa agonia do que vai acontecer no dia seguinte.

Seja o que Deus quiser. Foi nisso que pensou o sorridente Chico Bento exibindo sua banguelice de sempre.

E não é que a agonia de Chico acabou? O país mudou, ou teríamos mudado nós?

Deixe uma resposta