E se eu não tivesse…

Hoje acordou um dia especialmente chuvoso. Pingos grossos fariam qualquer guarda-chuva se dobrar.

Por este motivo aceitei a carona de minha adorável esposa. Ao revés do que tenho feito madrugadas afora.

Amo andar sempre. Principalmente no acender das luzes de um novo dia.

É quando a inspiração me assalta. Quando desço em direção ao consultório.

Ontem mesmo percebi um rapaz, velho conhecido, assentado a um meio fio. Foi ele quem ensejou a crônica de ontem. Vi o Alegria triste. Alguma coisa o preocupava. Durante uma conversa rápida com meu amigo Alegria descobri a razão de sua tristeza. Dificuldades financeiras o afligiam.

Ainda pensando no infeliz Alegria, já que não pude caminhar como de costume, foi agora, neste exato momento, sofismando sobre quem somos, e quem poderíamos ser, que me veio à inspiração o título do meu texto de agora. E seu não tivesse…

Felizmente nasci naquela família a qual tanto tenho agradecido sempre.

Filho de pais amantíssimos. Gente trabalhadora, honesta, de bons princípios.

Isso já faz parte do passado. O qual sempre tenho reverenciado.  Meus pais já não mais estão aqui. Eles se foram. Num dia do qual nunca irei me esquecer.

Felizmente a outra família que constituí tem sido tão boa quanto aquela onde nasci.

Meu filhos, agora dois netos, são a continuação de mim. Como me sinto bem ao lado daqueles dois bebezinhos. O Theo já brinca comigo. O Gael logo vai se juntar a nós, em nossos folguedos juvenis.

Pensando sobre o mesmo tema, e seu tivesse, caso houvesse nascido em um lar desestruturado, o que seria de mim?

Talvez estivesse assentado naquele mesmo meio fio, triste como encontrei meu amigo Alegria. Ou, pensando pior, quem saberia dizer, se por ventura ficasse por aí, numa esquina qualquer, mendigando migalhas, esmolando sobras, como tantos desafortunados que perambulam pelas ruas, esperando dias melhores, que nunca virao?

E se não tivesse nascido naquela rua, de tantas lembranças eternas, e, ao contrário, tivesse conhecido o mundo num lugar qualquer, sem recordações, sem pais conhecidos, como tantos meninos para os quais o destino é cruel como atestam as estatísticas de nosso país?

São tantas indagações, quantas, que se torna impossível fazê-las todas, neste curto espaço de tempo.

Mas, e seu tivesse crescido nas ruas, cheirando cola de sapateiro, fumando crack, ou sendo usuário de um vício qualquer, como estaria eu, agora, aos quase setenta anos, talvez nem mais estivesse aqui.

Ainda sobre o mesmo tema, e seu tivesse sofrido algum tipo de doença, sido jogado a um leito qualquer, inválido, demente, como iria suportar tal constrangimento?

Se por acaso eu tivesse, na minha infância perdida, me enveredado por outro caminho, que não a medicina que inda hoje me acompanha neste resto de vida que ainda tenho?

Se eu tivesse mais tempo de pensar em mim, não corresse tanto, não me afogueasse tanto, talvez vivesse mais feliz?

Se por ventura, no meio do caminho não encontrasse tantas pedras, teria sido capaz de vencer tantos obstáculos, que se interpõem nesta trilha chamada vida?

Se eu pudesse escolher, em qual família nascer, não teria nenhuma dúvida. Seria naquela mesma.

Ontem encontrei o amigo Alegria triste. Hoje não sei onde ele estará. Com que disposição vai estar.

Se eu não tivesse, se não fosse capaz, se não me satisfizesse com o muito que tenho, talvez não fosse tão feliz como tento ser.

 

 

 

 

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