Tião Solidão

Nada pior do que acordar na própria companhia, sem a quem abraçar, viver solitário grande parte da vida, olhando-se no espelho, o qual reflete aquela imagem de desassossego, perdido num emaranhado confuso de não ter com quem trocar confidências, ou até mesmo se lastimar.

Assim vivia Tião. Não que fosse por opção viver só. Bem que ele gostaria de ter uma família. Mas com o tempo passando, com os anos se amontoando, cada vez mais o já velho Tião continuava a curtir sua solidão.

Ele tentava encher todo o tempo junto aos bichos que tanto amava. Mas, conversar com as vacas, entabular qualquer tipo de troca de ideias com as maritacas, eram apenas elas que matraqueavam.

Tião Solidão era um eremita não por vontade própria.

Já havia vivido numa cidade grande. Mas, mesmo cercado de pessoas, com as quais se cruzava pelas ruas sempre apinhadas de gente, mal as conhecia. E o reverso da medalha era pura verdade.

Distribuía bons dias a esmo. Estendia a mão aos passantes. Mas raras vezes era recompensado por algum ato de cordialidade.  Gente apressada, amedrontada, não tinha tempo nem intenção de parar um cadinho que fosse para saudar um desconhecido.

Desiludido por tanta falta de amabilidade Tião deixou o emprego. Mudou-se com ele mesmo a um sítio de propriedade de um tio aparentado. Era um lugar ermo, isolado do mundo. Quem por ali passasse logo tomava o caminho de volta. Nem ao menos para um cafezinho parava nem que fosse por alguns minutos.

Aos quase sessenta anos, de um viver solitário, ainda vendendo saúde, Tião, graças ao bom Deus, nunca precisou procurar um doutor.

Nem ao menos para um examezinho qualquer. Suas veinhas azuis ainda não tinham sido picadas por nenhuma agulha.

Mas, com o tempo passando, com a idade chegando, Tião Solidão, num dia do qual se lembra, sem saudades, sentiu algo a molestar-lhe por dentro. Era uma dor profunda dentro do peito. Uma súbita falta de ar fez-lhe entender que seu coração claudicava.

A quem recorrer, naquele lugar desprovido de recursos? Chovera a noite inteira. As estradas enlameadas impediam qualquer veículo de ter acesso àquela roça perdida no meio do nada.

Por sorte do velho Tião, o velho caminhão leiteiro buzinou no alto do morro. Quase rastejando, trôpego, Tião, arfante, conseguiu pegar carona entre os latões de leite.

Chegou à cidade quase desfalecido. Foi atendido de pronto. Já que seu caso requeria cuidados iminentes.

Foi internado num leito isolado entre camas vazias. Mais uma vez a solidão foi sua única companhia.

Passou dias entre enfermeiras que iam e vinham apressadas. Nenhuma delas tinha tempo de trocar um dedinho de prosa com o pobre Tião Solidão.

Recebeu alta num domingo já bem tarde. Como a ambulância do lugar estava avariada, não restou outra alternativa senão tomar um taxi. Tião voltou à roça pela mesma estrada barrenta por onde tinha vindo. Não precisa dizer que o motorista da condução recusou-se a chegar à casa do velho Tião.

Durante todo o trajeto não trocaram uma só palavra. Mais uma vez Tião sentiu por dentro todo o peso da solidão.

Assim que apeou junto ao velho cupim, com o qual trocava confidências, era o único amigo que lhe restou, mesmo assim mudo, calado, formigas ceifadeiras cercaram o solitário Tião.

Elas apenas trabalhavam. Recusaram-se a conversar com o angustiado  Tião.

Uma vez chegado em casa a chuva serenou. Ali encontrou a residência vazia. Nenhuma vivalma o recebeu. Felizmente a dor no peito arrefeceu.

Tião sentiu-se melhor. Embora a cruel solidão ainda lhe doesse por dentro.

Passou dias sem receber visita alguma. Era praxe viver sozinho. Quase se acostumara com a vida que levava. Mas, faltava-lhe um ombro amigo. Uma pessoa com quem conversar.

Num dia, do qual jamais vai esquecer, bateu-lhe à porta uma pessoinha desconhecida.

Tião já dormia. Era mais ou menos dez da noite.

Ao abrir a porta, já escuro, estrelas brilhavam no firmamento, uma surpresa boa apareceu de repente na casa do Tião Solidão.

Era um anjo desgarrado do céu. Ou seria uma visão?

Cautelosamente Tião convidou a figura esdrúxula a entrar em casa. O intruso alado adentrou. Puxou uma cadeira. Olhou em direção ao interlocutor sem dizer uma só palavra.  E saiu sem dizer a que veio.

No dia seguinte, sem entender quem seria aquele, assim que Tião deixou a casa, avistou, no alto do velho cupim, um pássaro todo branco, que bateu asas e avoou.

Foi um sinal de que finalmente a solidão teria fim. No dia seguinte apareceu, do nada, uma linda mulher. Com ela o velho Tião Solidão passou os últimos dias.

Pena que foi apenas um sonho. Tião acordou abraçado ao velho travesseiro murcho. Sua única companhia, até o final da vida.

 

Deixe uma resposta