Tião Madruga e o lusco-fusco da manhã

Acordar cedo era a sua especialidade.

Mal o galo cantava, as estrelas se recolhiam, e aquele homem provado em anos sempre assim procedia.

Tião dormia cedo. O relógio de cabeceira, seu único companheiro, apontava antes das cinco da tarde. Era quando o velho Tião vestia aquele pijamão surrado, listrado de uso, fazia uma breve oração, fechava os olhinhos já quase cerrados, sem precisar contar carneirinhos se entregava ao deus do sono.

A receita para passar a noite em nuvens brancas era trabalhar sempre. Fazia do corpo carcomido em anos um guardião de sua vida. Ao fim das tardes quase não suportava o cansaço. O suor empapava-lhe o rosto, quase todo sulcado por rugas profundas.

Desde criança Tião tinha o mesmo costume. Era o primeiro a chegar à velha escolinha rural. A mesma, num dia do qual jamais vai se esquecer, por uma decisão precipitada levaram-na para a cidade perto. E hoje só restam escombros daquela velha construção. Onde tantos alunos passaram a infância felizes até se tornarem adultos.

Tião não se casou. Não por falta de opção. Ainda se lembra, sem muitas saudades, de quando levou uma linda moça ao altar. E quando esperava a cerimônia começar eis que a danada se bandeou para outro lugar. Dizem, as más línguas, que a tal fugiu com o motorista do caminhão leiteiro, e até hoje renega o feito, por uma singela razão: o safado não era coisa que prestasse. Em pouco tempo a trocou por uma dúzia de vacas leiteiras. E, não arrependido pela catira, hoje é um fazendeiro de dar inveja ao filho do ex-presidente que agora amarga uma prisão dizem mais do que justificada.

Tião desistiu de se consorciar a outra dama. Aprendeu, com a solidão, a fazer de tudo um cadinho. Cozinhava como um conceituado chefe de cozinha. Cuidava da casa com o mesmo capricho de qualquer mulher prendada que por ali passasse. Ele mesmo cuidava das suas roupas. Eram bem poucas. Diga-se de passagem.

O hábito de dormir com as galinhas e acordar mais cedo do que elas o acompanha até nos dias de hoje. O sono não lhe faz falta. Assim como um rabo de saia não mais lhe é conveniente.

“A gente se acostuma a tudo na vida”. Alardeava, o velho Tião, a todos que o visitavam. Quando aparecia uma alma penada naquela rocinha encantada, chamada de Paraíso.

Quiseram os anos que o velho Tião, um dia, ficasse adoentado. A urina começou a estancar. O jato fino, como doía para urinar, foi o começo de uma enfermidade inerente aos de mais idade.

Como não tinha especialista na cidade perto, Tião, aconselhado por um vizinho de cerca, resolveu procurar um urologista.

Foi quando, pela primeira vez, o conheci numa sexta-feira, véspera de um feriado.

Tião assentou-se a cadeira defronte a minha pessoa.

Um tanto ressabiado começou os queixumes falando da vida. Notei que o assunto principal da consulta ficava em segundo plano.  Talvez por receio de fazer o tal exame. Invasivo, para muitos, e essencial para o diagnóstico para os mais entendidos.

Procurei deixá-lo à vontade. Falei que também tinha uma roça. Que amava as vacas e nem tanto os animais que as possuem. Era ali que passava os finais de semana. Quando o tempo me sobrava.

Depois de alguns minutos notei que o consultante tinha ficado mais aliviado. Foi quando o levei a sala de exame.

Tião arriou as calças. Persignou-se com o sinal da cruz. Ficou naquela posição por muitos considerada infame. Mas, afinal o exame não doeu tanto assim.

Ao final da consulta, como a cirurgia podia ser protelada, o velho Tião despediu-se de mim com um fraternal abraço.

Convidou-me para visitar a sua roça. “Apareça por lá, doutor. Almoce comigo. Prometo fazer um frango com quiabo que vai deixá-lo com saudades”.

Assim que Tião saiu, como tenho o mesmo costume dele, de dormir pouco, acordar com o lusco fusco da manhã, passo aqui a receita para ter vida longa.

Faça como a gente. Acorde em plena madrugada. Durma junto às galinhas. Deixe o carro na garage. Não tenha vícios maiores que não seja viver a vida na mesma intensidade que ela merece. Se não der certo não foi por falta de aviso. Não estarei aqui para corroborar o dito.

Tião Madruga, e eu, viveremos muitos anos. Assim esperamos. Como é bonito o lusco-fusco da manhã…

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