Não tenho do que me queixar

Quase um ano apaga as velas.

Entramos novembro pela metade.

Logo entra dezembro. Mês do meu desaniversario.

Ontem choveu durante a noite. Foi uma chuva mansa. Que deixou um rastro molhado por onde ela passou.

Agora o céu está nublado. Mal se pode ver o azul celestial.

No dia sete de dezembro completo mais um ano de vida. Parece que foi ontem que deixei aquela rua, que daqui de vê pelos fundos, a casa onde cresci.

Felizmente tive tudo que um garoto traquina poderia desejar. Ainda me lembro dos presentes de Natal que um papai Noel de mentirinha deixou debaixo daquele pinheirinho colhido num lote vizinho. Hoje ele deve estar reduzido a cinzas. Ou talvez tenha servido para outra arvorezinha, que um dia adornou a sala de uma casa qualquer.

Na minha infância perdida no olvido tive meus pais ao meu lado. E como eles eram dedicados ao seu primogênito. Tudo faziam para que eu tivesse o melhor. Espero não tê-los decepcionados, agora que não mais os tenho do lado.

Ao ver tantas crianças ao desabrigo, filhos que não conheceram os pais, dormindo ao relento, sem teto, sem afeto, sendo usados como mensageiros do tráfico, ao me recordar do lar que eu tive, absolutamente não tenho do que me queixar.

Ao constatar o quanto sou feliz, depois de construir uma família maravilhosa, filhos bem casados, netos em plena saúde, mais um está por vir, mais uma vez não tenho do que me queixar.

Ao observar a crise que grassa lá fora, neste país a deriva, aos quase sessenta e nove anos, já realizado na vida, com um patrimônio que me permite viver confortavelmente, sem luxos, sem extravagâncias, ao pensar em quantas famílias sofrem toda a sorte de necessidades, mais uma vez penso no quanto Deus foi magnânimo para comigo.

Ao vislumbrar, de olhos inquiridores, o quanto a vida me tem sorrido, quando, em descompasso com minha felicidade, outros pais de família amargam dias sombrios.

Hoje tenho tudo para ser feliz. Mas por vezes não consigo. Viver em felicidade plena é quase uma utopia.

Caminho com um andarilho. Corro todos os fins de tarde. Penso com a clarividência de um pensador. Escrevo como real necessidade de extravasar o que me vai por dentro.

Creio estar longe do final dos tempos. Acredito, piamente, que ainda tenho muitos anos de vida.

Tomara que o tempo que me resta seja tão bom como o que tenho vivido.

Hoje me renovo nos meus netos. Com eles, e através deles, me sinto como nos verdes anos da minha infância reencontrada.

Absolutamente não tenho do que me queixar. Ao ver tantas pessoas passando dificuldades. Pena que pouco posso fazer para minorar-lhes o sofrimento. A não ser desejar-lhes dias melhores.

Agora o sol se faz presente. Pressinto, neste final de semana, que agora começa, depois de um feriado prolongado, mais chuva vai cair de mansinho. Tomara que ela consiga fazer vingar a roça de milho. Que enverdeça a pastaria. Que ela permita ao homem do campo colher os frutos do seu trabalho incessante.

Ao observar o entorno, e constatar o quanto sou privilegiado, neste mundo onde tantos têm tanto e a outros muito lhes faltam, só tenho a comprovar o quanto sou feliz, e pretendo assim continuar.

Prestes a entrar na casa dos setenta espero ter um resto de vida feliz ao lado dos meus.

Bem sei que quase não me falta nada. Sinto-me realizado com aquilo que conquistei.

Ontem mesmo deparei-me com uma cena que me fez pensar. Uma mãe, com uma filha nos braços, esmolava numa esquina movimentada. Ela vendia panos de prato. Como não tinha qualquer importância no bolso foi impossível adquirir o seu produto. Prometo, caso a encontre novamente, levarei todo o seu estoque.

Não sei se vai ser suficiente para minorar a penúria em que ela se encontra. Mas sairei mais do nosso próximo encontro.

Sexta-feira começou a questão de alguns minutos. Logo a sexta se transforma em sábado. Mais um final de semana prolongado se anuncia.

Dezembro é um mês de festas e congraçamentos. O Natal enseja o nascimento de Jesus Cristo.

Ao ver o quanto sou feliz, e por vezes me sinto triste, e ao mesmo tempo constatar quantos semelhantes vivem a míngua, passando por privações imerecidas, mais uma vez, afinal, sinto, no fundo do peito, o quanto não tenho motivos para queixumes.

Espero, de coração aberto, que meu sentimento de felicidade inunde o coração dos que sofrem mais do que podem suportar.

Já que não tenho do que me queixar, quando parar, para me lamuriar, pensarei no quanto sou feliz, e espero continuar a ser. Apesar das vicissitudes que a vida por vezes nos traz.

 

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