Zaninha e Aparecida do Norte

Desde quando nasceu, numa vila chamada Macuco, um pequeno distrito onde nem cartório de registro havia, quem nascesse em Macuco era cidadão Itumirense, aquela menina esforçada, casta e de bons costumes, sempre teve uma ambição na vida – ser enfermeira era sua vocação.

Cuidar das pessoas enfermas, principalmente dos bebês, atraía aquela menina como abelha sente-se atraída pelo doce mel.

Mas, por ingerências do destino, na sua Macuco querida não havia como continuar os estudos. A família da Zaninha morava à léguas de distância daquele lugarejo esquecido no sertão das Minas Gerais.

Mesmo assim a menina esforçada, a mais longeva dos três irmãos, não media esforços para ajudar a mãe a cuidar da casa. Faxina era a atividade que mais gostava. Quem via a meninota com a vassoura na mão logo se deslumbrava com a rapidez com que ela levava a sujeira para longe da sala. Os banheiros recendiam a limpeza. Da mesma maneira todas as dependências daquele lar sempre brilhavam sob a luz da manhã.

Zaninha, uma vez menina moça, sempre teve um sonho: sair daquele lugar de poucos recursos. Construir sua casinha própria. E, quem sabe, se casar com um rapaz de bons princípios. Mas antes faria um curso de enfermagem. Trabalharia nalgum hospital. Ou quiçá, ser instrumentadora cirúrgica, ajudando o cirurgião a salvar vidas. Já que a boa moça sempre foi solícita quando precisavam dos seus préstimos, desde jovenzinha ainda.

A vida presenteou Zaninha em quase todas as suas aspirações. Concluiu o curso de técnica de enfermagem numa escola de bom conceito. Mas, como foram difíceis os primeiros tempos naquela cidade estranha, teve de se empregar como doméstica em casa de família.

Ali cuidava das crianças, fazia faxina, e, como era a única que ajudava a patroa ainda por cima lavava toda a roupa da família.

Foi quando concluiu o curso de técnica de enfermagem. Gradou-se entre as primeiras. Aluna dedicada, por ser tímida, não foi aceita logo de começo em nenhum hospital da cidade onde passou a morar.

Persistiu no seu desejo de cuidar dos pacientes. Ela tinha uma irmã mais moça. Era uma linda morena, mais desinibida, que logo se saiu melhor que a esforçada Zaninha.

Mas, por um capricho do destino, quis uma força superior que a irmã de Zaninha fosse chamada a morar no céu. Foi um trágico acidente, numa curva do caminho, que o caminhão do noivo da Doia, como se chamava a irmã, acabou desgovernado, caindo numa ribanceira, perdendo a vida prematuramente o jovem casal.

Zaninha ocupou o lugar da irmã. No consultório de um médico especialista em Urologia.

Dali não mais saiu. Agarrou-se com unhas e dentes a nova ocupação. E se tornou o braço direito do experimentado cirurgião.

Esforçada, amada pelas colegas, eis que a boa Zaninha pouco a pouco via sair do papel o esboço de todos os seus projetos de vida.

Terminou, graças à ajuda do rapaz, velho companheiro de jornada, o único e verdadeiro amor já conhecido, uma linda casa pertinho da outra onde viveu parte de sua vida.

A construção durou mais de vinte anos para ser concluída. Mas ficou uma belezura. Graças a dedicação maiúscula da querida Zaninha.

Faltava-lhe um pequeno detalhe para ser feliz por completo. Já que a Doia não poderia ser revivida, o pai, falecido quase na mesma data do passamento da querida irmã fechara os olhos para sempre, o único irmão abandonara do vício da bebida definitivamente, faltava-lhe parar de fumar, agradecer todas as graças conquistadas era um dever e um compromisso.

O mais longe que Zaninha havia ido era de Macuco para Lavras. Cidade onde mora até hoje, e onde pretende terminar seus dias.

Aparecida do Norte era um sonho distante. Nunca havia ultrapassado as fronteiras da sua cidade.

Foi então, num final de semana prolongado, que se estende até nesta segunda-feira, em algumas cidades, eis que a dedicada enfermeira acabou de concretizar mais um desejo.

A família quase inteira, fora os que não mais estão por aqui, deslocou-se, em romaria até aquele santuário.

Foi uma viagem cansativa. O ônibus teve um pneu furado. Todos os passageiros tiveram de fazer baldeação. Mas chegaram felizes até o destino final.

Na volta, que aconteceu no sábado a noite, Zaninha, afinal, ao dormir, sonhou ter ido à Aparecida do Norte.

Acordou se beliscando. Não foi um sonho. Foi real.

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