Mais uma manhã…

Impossível contar nos dedos quantas foram até o dia de hoje.

O fato é que hoje o sol brilha. Entre nuvens rarefeitas. Agora mesmo tive de serrar as folhas da minha persiana para que o clarume do sol não machuque a minha retina. Ora pela janela entra o sol. Ora minha sala fica na penumbra. Da minha janela vislumbro parte do meu passado. Aquela casa de janelas marrons ainda dorme. Ou melhor. Casas não dormem. Dormem as pessoas que moram dentro delas.

Aliás, como disse várias vezes, o sono quase não me faz falta. Prefiro a luz do dia à escuridão da noite. É durante do dia que se vive. A noite é como se a morte amortalhasse-nos os sentimentos. Pra mim exacerbados, como a saudade que sinto do passado.

Hoje, segunda-feira, dez de dezembro, acredito que a semana, uma das últimas antes do ano fechar os olhos, vai ser o começo de mais um dia feliz, dos muitos por que tenho passado. Embora com mais idade no meu calendário, prestes a completar setenta anos, dezembro próximo vou até lá, não tenho sentido tanto o passar das horas. Pena que elas passam com tanta ligeireza que, quando se vê, não mais temos vinte anos. Quando menos se espera dobramos os cinquenta. Ao findar a noite mais uma manhã nos espera. Ao terminar o dia mais uma noite nos acena com a sua escuridão que não dura mais do que oito horas.

Amo as manhãs. Da mesma forma que amo a vida. Só não sei dizer se aprecio a outra face da vida pois ainda não saboreei aquilo chamado morte.  Caso nela predominar a escuridão com certeza não gostarei do que na morte encontrarei. Mas, como ela é inevitável, não podemos nem ao menos protelá-la, ainda mais passar por ela ignorando-a, fazendo de conta de que a vida se resume nos dias e nas noites. Mas sim uma noite eterna. Quando dormiremos até quando um dia, tomara que a ressureição exista. E através dela seremos capazes de viver de novo.

Mais uma manhã, das tantas que tenho experimentado, acordei no dia de hoje. Logo chega o Natal. Logo mais o ano se despede.

Mais uma vez indago: quantas manhãs me estão reservadas? Quantos sois serei capaz de ver. Na planura do horizonte. Entre nuvens ralas como aquelas que no dia de hoje tentam empanar o brilho do sol.

Mais uma manhã desci a rua. Era bem cedo. Antes das sete da manhã. Agora são quase sete e alguns minutos antes dos doze. Restam-me apenas mais de meia hora para começar a atender os pacientes que estão agendados para a manhã de hoje. A tarde virão mais.

Não vou tirar férias no meu consultório. No máximo alguns dias me reservarei para ficar contando as horas para outro dia nascer. Com a intempestividade de que sou dotado não consigo ficar no ócio. Os dias não foram feitos para descansar. Reservo-me no direito de só pensar no descanso após a morte. No dia quando ela chegar.

Mais uma manhã me recebeu com sua claridade maiúscula. Do lado de fora da minha janela o sol brilha com média intensidade. Mais tarde creio que vai esquentar.

Ainda não estamos no verão. Experimentamos a luz da primavera. Com temperaturas amenas. Poder-se-ia dizer que durante as manhãs faz um certo frio. Mas, ao dobrar o dia, a partir do meio do dia, o calor nos convida a piscinar.

Aos sessenta e nove anos vivo uma nova manhã. Mais uma. Quantas mais serão? Quantos dias mais estarei por aqui? Espero, desde que tenha saúde, clarividência, puder decidir por mim mesmo o que desejo, para onde vou, se vou, se retrocedo, que anos e anos me esperem.

Como tenho esperado o despertar das manhãs. Que me fazem tão bem. Acordar cedo, caminhar um pouquinho até onde estou, confabular com meu computador, quase um desafio, para tentar provar a mim mesmo que estou vivo. E bem cônscio do que sou

Já vivi tantas manhãs, tantos dias, tantos anos, que me diria leviano se dissesse que passei minha vida em brancas nuvens. Alguns dias as nuvens estavam cinzentas. O céu azul não se mostrava. Nem o brilho do sol se podia ver.

Espero, que daqui em diante, ainda possa escrever com a mesma constância. Que possa caminhar distâncias infinitas. Já que a finitude de minha vida não é possível, que pelo menos possa pensar na vida enquanto a morte não chega. Com a mesma alegria do meu neto que sorri por qualquer coisa.

Hoje, dez de dezembro, mais uma manhã me foi dada de presente.

O maior presente que gostaria de ganhar, nestas festas de fim de ano, por certo será saborear milhares de manhãs. Não apenas mais umazinha só. E sim uma infinitude de manhãs, como esta, segunda-feira, tão felizes quanto esta. E que elas sejam estendidas a todos vocês, que comungam, como eu, da mesma alegria de viver.

Deixe uma resposta