Por mais que o tempo passe…

Há dias tenho assistido, impassível, a um velho sobrado virar escombros. Dentre em pouco nada mais irá sobrar do seu passado. Quem foi o último dono. Qual família ali habitou. Quanta alegria por ali brotou. Quanta tristeza aquele velho casarão presenciou.

Assim caminha a humanidade. Hoje estamos jovens. Amanhã viramos coisas do passado.

E por falar nele, pra mim o irresistível passado, não tenho como me desvencilhar das minhas origens. Daqui, da minha janela, do sétimo andar, olhando a esquerda vislumbro, como se fosse agora, os idos anos que me acolheram, quando ali vivi, na jamais esquecida mocidade.

Todos nós caminhamos no sentido de trás pra frente. Não há como inverter o bater de asas do tempo. Ele avoa frenético. Deixando no seu rastro uma poeira que pouco a pouco se assenta. Paulatinamente. Passivamente acredito. Pois nada temos a fazer para deter a marcha inclemente dos anos.

Ontem tínhamos vinte anos. Há anos atrás nascíamos. Amanhã nos tornamos idosos. Depois de depois de amanhã não mais estaremos aqui. Alguém há de contar a nossa história.

A nossa começou quando éramos jovens. Cheios de ideias de mudar o mundo.

Nosso começo foi no rela do jardim. Eu para cá. Ela no sentido inverso.

Apenas nos olhávamos. Eu admirava aquela mocinha morena, pernas bem feitas, cabelos castanhos que o tempo cuidou de tintar de branco.

Creio ter sido ali o começo do nosso namoro. Depois, se a memória não atraiçoa, foi num clube, o qual até hoje frequento, que aconteceu nosso primeiro entrecruzar de mãos. Foi na piscina, hoje aquecida, que brincava de passar por debaixo das pernas da minha namoradinha de outrora. Era um pretexto para observar que pernas lindas ela tinha.

A seguir passei a frequentar sua casa. Até nos dias de hoje sua mãe mora lá, naquela casa de esquina, avarandada. Naqueles idos anos seu pai ainda era vivo. Um senhor de sorriso escasso. Mas dotado de um coração enorme que um dia veio a falhar, por excesso de amor à família.

O nosso namoro durou inexatos dez anos. Depois de deixar a minha querida Lavras com destino a Belo Horizonte ela ia com certa frequência me visitar. E eu para aqui voltava com imensas saudades dela.

Tempos depois, das idas e vindas, de dois viramos um par. Casamo-nos, tivemos dois filhos lindos, que nos deram dois netos.

Daqui do alto pode-se ver, ao fundo, a linda casa onde passamos os primeiros anos da nossa vida de casal. Era uma residência enorme. Construída a duras penas. Foi um ano inteiro de economia. Tudo que percebia era enterrado ali. Afinal minha pequena família se mudou para aquela casa grandiosa, que agora se permite ver parte dela. Já que outras construções se interpuseram entre meus olhos e ela.

Ali passamos parte de nossa vida. Éramos felizes e bem o sabíamos.

O tempo continuou a sua marcha frenética. De jovens enamorados passamos a adultos feitos.

Com dois filhos nos braços era hora de vê-los crescerem. E eles iam à escola. Apartavam-se de nós com imensa saudade. O menino era quem mais sofria com a separação. A meninota mal sentia o quanto a gente sofria por vê-la partir.

Tempos depois nos mudamos. Passamos a viver noutra casa. Num bairro cheio de árvores, aprazível recanto.

Mas, como o tempo não para, anda apressado, as mudanças continuam a fazer parte da nossa vida. De apenas um casal viramos avós. Hoje temos dois netos. Varões, lindos meninos, crianças adoráveis, razão da nossa alegria nos dias de agora. Logo a nossa família vai crescer de novo. Serão três meninos. Dois adultos, e dois velhos chorões.

Mas como é bom ser avô! Com eles faço de conta que retrocedo no tempo. Torno-me, ao invés de sênior, criança de novo.

Dia sete completei mais um ano de existência. Já hoje, onze do mês de dezembro, ela, minha Rosa, ainda quase menina, completa mais um ano de vida.

Contando nos dedos são tantos anos juntos que mal sei fazer a conta. O que conta é dizer que para nós o tempo não passa.

Por mais que o tempo passe, por mais que envelhecemos, parece que foi ontem que nos conhecemos. Ela, minha Rosa, continua tão linda como nos verdes anos. Algumas parcas rugas passeiam em sua face. Seus cabelos castanhos, se deixarem como estão, se tornarão brancos como algodão. Já os meus mostram uma calva luzidia. Não tenho mais aqueles bigodes escuros, que ostentava por cima dos lábios, no dia da minha formatura.

Certo que envelhecemos. Tornamo-nos dois em um. Ela, minha esposa, coleciona dois anos a menos que os meus quase setenta. Dizem que parecemos menos. Bondade dos amigos.

Neste dia onze de dezembro a minha Rosa muda de idade. Eu já mudei. De verdade. Mas, junto aos nossos netos, aos filhos queridos, a cada ano que passa não sentimos o tempo passar. Graças à felicidade que brota dentro da gente. Até quando? Não imagino quanto. Nem quero saber. Hoje acordei com uma sensação estranha dentro de mim. Olhei pra minha Rosa. Ela estava dormindo. De repente ela acordou. Virou-se pra mim. Ao olhar aquela face, tão linda ainda, no esplendor dos seus muitos anos, percebi, de soslaio, que para ela o tempo não passa. Mas, por mais que o tempo passe, ela continua sendo vital pra que eu continue feliz, como nos tempos de outrora, quando a conheci.

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