Mudanças…

A vida seria insustentável não fossem as mudanças.

Imagine acordar todo o dia com a mesma cara. As mesmas feições de sempre. O costumeiro mau humor. A preguiça de começar um novo dia. Sobejamente se este dia for  uma segunda-feira. Começo de uma semana num emprego novo. Cujo patrão não foi com nossa cara. E a reciproca é verdadeira.

A vida, para ser cheia de cores, precisa ser recheada de transformações. Hoje acordamos com outra disposição. Amanhã é um novo dia. Da anterior segunda inexpressiva, carregada de fluidos negativos, de repente vira uma sexta véspera de um final de semana prolongado, quiçá início de férias tão necessárias para que recomeçamos um ano novo cheio de esperanças renovadas.

Hoje mesmo decidi, num ímpeto, tirar férias de mim mesmo.

Estava cansado de olhar todas as manhãs a mesma cara carcomida pelos anos. O mesmo ar de enfado. Os olhos que perderam o viço da juventude. Ao espelho perguntei: “pra onde foram meus vinte anos? Onde está escondido aquele garoto traquinas, que costumava empinar pipas ao sabor do vento”?

Aquela superfície espelhada nem me deu resposta. Também sabia que os espelhos não falam. Apenas refletem o que o nosso semblante deixa transparecer. As rugas que passarinham a face. Os cabelos brancos, ou a falta deles. O olhar de cansaço. Ou coisas e loisas que a idade mostra.

A minha decisão de tirar férias de mim mesmo não deu certo. Ainda não tinha tempo de serviço. Faltavam alguns anos para que eu me aposentasse. Definitivamente da vida não era a minha intenção. Ainda.

De repente, aquela sensação de tristeza apoderou-se de mim. Estava realmente cansado de tantas turbulências que a vida havia me imposto. Contrariedades não tinha paciência para enfrentá-las. Resultado de tanto trabalho que os anos me jogaram às costas. Não tanto fortes como outrora.

Decidi mudar de vida. Voltar nos anos descobri, naquela manhã, quando o sol brilhava forte, seria uma verdadeira utopia. Desenvelhecer não seria exequível. Mudar de cara, nem de longe o espelho mostraria. Nem através de uma plástica minhas olheiras mudariam. E se melhorasse o visual logo logo os anos fariam retornar o antigo semblante envelhecido pelo tempo.

Como as opções de mudanças se tornaram vãs filosofias, tudo escrito antes eram em verdade frutos de mais um devaneio, a opção que me sobrou foi mudar de casa.

Da minha antiga residência pouco restou a não ser a saudade.

Resolvi mudar para um apartamento vizinho ao meu consultório. Era uma morada nova. Não antes habitada. Tudo nele fedia a tinta nova. Meu quarto não estava ainda preparado para receber novos ocupantes.

Dormi numa cama improvisada. Como não tenho quase sono não carece dizer que passei a noite de olhos abertos. Tentando contar estrelas. Era uma noite linda cheia de estrelas piscantes.

Levantei-me daquela cama indo depressa ao chuveiro. Tomei uma ducha morna. Na intenção de acordar por inteiro.

Deixei o apartamento à hora de costume. Era bem antes das sete da manhã. Que saudade da minha morada antiga. Por que não dizer dos meus verdes anos.

A tentativa de mudança não deu certo ainda. Mudei de casa. Não de pessoa.

Ao olhar no espelho ainda percebo que a transformação tão esperada teve de ser postergada para outro dia.

Quem sabe num futuro perto eu consiga mudar de cara. Voltar no tempo. Ter minha infância de volta.

Comecei dizendo que a vida seria insuportável não fossem as mudanças. São elas que nos enchem de esperança. De retroceder no tempo. De mudar as nossas expectativas de sermos felizes de novo.

Mas, agora, de morada nova, quem sabe irei descobrir uma grande descoberta. O que está errado em mim não são os anos que  vida me jogou às costas. Envelhecer com qualidade não é um fardo pesado demais. Faz parte de a gente ser feliz na  idade que temos. Não importa onde a gente mora. O que conta é a capacidade de nos adaptarmos a tudo que nos rodeia. Mesmo morando debaixo de um viaduto. 0u numa choupana pobre na periferia.

De repente descobri, no mesmo espelho confidente, que agora sou feliz, embora saiba que mudanças são necessárias. Mas, como mudar o mundo se torna missão impossível, quem sabe mudando a gente, não por fora, e sim por dentro, nos torna realmente outra pessoa. Mais adaptada às condições que a vida nos coloca.

Bem sei que mudar é preciso. Desnecessário contestar o dito.

 

 

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