Não sei o que vai ser de mim

Li isso justamente na manhã de hoje: “na vida não haveria borboletas caso não houvesse metamorfose”.

A gente se transforma no decorrer dos anos. Felizmente. Mesmo sujeitos aos desenganos.

De um feto escondido no útero da mãe a vida se nos mostra com sua luz brilhante. Uma vez nascidos tudo nos parece estranho. A clarume do dia ofusca-nos a retina. A escuridão das noites são como um pesadelo para quem teme o outro lado do dia.

Uma vez feitos gente mal sabemos o que o futuro nos reserva. De meninos sapecas passamos a jovens cheios de sonhos. Uma vez a infância perdida percebemos, contrariados, que tudo não passa de uma ilusão de ótica. Nada com que sonhamos se materializou.

Pensamos, no decorrer a existência, sermos uma coisa. Mas, o mesmo passar de anos infelizmente nos tornou pessoas infelizes. Justamente por não termos conseguido atingir nosso objetivo maior. Que seria ser médico, engenheiro, advogado de sucesso, e apenas fomos levados, pelas circunstâncias, alheias a nossa vontade, de nos tornamos simples empregados de uma empresa falida, que nos jogou na rua num dia infeliz. Depois de anos e anos de trabalho pesado.

A metamorfose não acontece apenas com as borboletas. A gente também se transforma do decorrer dos anos.

Envelhecemos. Tornamo-nos, de jovens cheios de vida, a anciãos sujeitos a toda a sorte e enfermidades. A idade nos torna presas fáceis de doenças. De uma hora pra outra, quando mesmos se espera, não mais podemos caminhar. Temos de usar a boa vontade de terceiros até para alimentar.

Quem diria que aquela criança cheia de vida se tornaria um velho decrépito? Quem imaginaria que aquele jovem promissor logo seria refém de uma cadeira de rodas?

São tantas as fatalidades que nos acenam, durante o nosso viver, que seria impossível prever onde estaremos no dia de amanhã. Por isso o agora me prende. Vivo pensando apenas no hoje.

Felizmente ainda a saúde me surpreende. Aos quase setenta sou cônscio do meu querer. Sou capaz de decidir, no momento presente, por onde vou, se fico, se continuo por este caminho, ou se me enveredo por outro.

Minhas pernas ainda me sustentam. Minha cabeça ainda pensa. Meus dedos hábeis sabem digitar textos com a desenvoltura de um beija-flor em seu farfalhar de asas frenéticas. Até quando? Indago-me sem querer saber a resposta. Daí a minha alegria de viver.

Que dia maravilhoso amanheceu nesta manhã ensolarada. Onde choveu durante a noite. Caiu uma chuva pesada.

Quantas manhãs iguais a esta ainda experimentarei? Quantos dias mais serei capaz de pensar. Até quando a felicidade vai estar presente dentro de mim?

Ontem era apenas um menino sonhador. Hoje passei a ser um velho doutor. Amanhã, tomara seja bem depois de amanhã, continuarei a minha caminhada vida afora. Com a mesma intensidade de agora. Com a mesma capacidade de escrever, de sonhar, de me compadecer.

Não sei o que vai ser de mim noutro amanhã. Apenas sei, imagino saber, o que vou fazer nesta hora. Terminar esta crônica, ditada pela inspiração desta manhã tão linda. Quando o sol brilha forte. O azul do céu predomina.

A transformação que a vida fez em mim não mudou muita coisa. Ainda tenho sonhos. Não os mesmos de outrora. Quase tudo que sonhei já tive a resposta.

Sou realizado na profissão que escolhi. Tenho a família com que sempre sonhei. Dois netos, dois filhos, uma esposa que me completa.

A outra família, a que meus pais me presentearam, mesmo de longe sinto-lhe o abraço e amizade sincera.

Quando digo que não sei o que vai ser de mim não tenho a intenção de prognosticar o futuro.

Quantas metamorfoses experimentei. Mas foram amenas. Quase não senti o passar dos anos.

Espero, não com a ansiedade de outrora, que o futuro venha. Bem sei que ele virá. Sei ainda que mais transformações acontecerão.

Em breve, que o breve não seja tanto, um dia não mais estarei presente neste mundo tão lindo. Que se deixa ver da minha janela. Daqui de onde escrevo.

Hoje, sexta-feira, dezembro em sua metade, mesmo sabendo da efemeridade da vida, felizmente a metamorfose sentida não tem sido tão adversa quanto aquela experimentada por outros iguais.

A isso só tenho a agradecer a um entidade que não se deixa ver. Ela, porventura se esconde por entre as nuvens. Ou juntinho a este céu azul. Que me fez acordar neste dia tão lindo.

Agora sei o que vai ser de mim. A mesma pessoa que sempre fui. Desde o começo. Quando nasci.

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