Desencantos

Quantas e quantas vezes acordei, mais cedo do que o costume, olhei pro céu e vi, entre nuvens que não existiam, um Deus em quem não cria, e de repente, sem entender a razão, percebi, num átimo, que ali, num lugar improvável se mostrava, sem se deixar ver, um ser superior, responsável por tudo que nos rodeava, pela chuva que caía, pelo sol que no alto brilhava, pela vida em sua plenitude, pelas pessoas as quais amava, e até mesmo pelas outras que não conhecia.

Foi em criança o meu primeiro desencanto. Em menino pensava que todos eram bons. Amistosos, sinceros, amorosos, confiáveis. E, a seguir descobri, que nem todos eram assim.

Depois de um tanto crescido descobri que na vida nem sempre as flores são cuidadas como deveriam. A maior parte delas murcham tão logo desabrocham. E criancinhas pequeninas não vivem além do primeiro ano de vida.

Quantos desencantos acompanharam-me vida afora.

Já bem crescido, quase deixando a escola, sonhei que o mundo era colorido para todos. No entanto, para perder o encanto, descobri que nem tudo que a gente sonha se materializa.

Uns conseguem vencer as dificuldades. Já outros, infelizes, mal conseguem ver seus sonhos realizados. E, uma vez adultos, continuam desempregados, a margem da sociedade, que apenas premia os mais capacitados. E deixam mendigando migalhas, principalmente em nosso país, uma legião inteira de gente que mal tem como se sustentar, o que dizer a família que infelizmente mora em locais insalubres, convivendo com toda a sorte de percalços, não encontrando a felicidade, prerrogativa de poucos, pena.

Meus desencantos não paravam.

Faço parte de uma minoria que não tem do que se queixar.

Consegui, graças ao destino, no qual acredito, piamente, tudo que gostaria de possuir. Não o que diz respeito a bens materiais. E sim por ter nascido num lar estruturado. Por ter estudado em boas escolas. Me graduado numa profissão que até hoje me tem permitido vencer algumas enfermidades. Infelizmente outras são mais fortes que minha capacidade.

Desencantei-me algumas vezes. Principalmente quando não fui capaz de atender, no momento que mais precisava, aquele paciente que me procurou quando não estava. De não ter sido capaz de minorar-lhe as dores. Atenuar-lhes os dissabores. Até hoje me penitencio por isso.

Os desencantos por vezes marcaram-me a vida.

Ainda menino, na véspera de Natal, quando não encontrei, debaixo daquela arvorezinha feita com todo carinho por minha mãe, aquela bicletinha de rodinhas amarelas, sonhada tantas vezes, creio não ter deixado escrito na cartinha ao Papai Noel como gostaria de receber de presente este regalo.

Mais tarde, já entendendo as coisas, por que elas não são como a gente sonhava, nem tudo que a gente apreciava seriam dádivas recebidas no momento exato.

Os desencantos continuavam vida afora.

Mas os encantos sobrepujaram os desencantos.

Alguns dias atrás, depois de me mudar para junto do meu primeiro neto, assim que o ano finou, assisti, sem poder mudar o acontecido, minha filha desmanchar a árvore de Natal.

Theo assistia a tudo aquilo com seus olhinhos rasos d’água. Dizia, com suas palavrinhas pouco inteligíveis : “não, mamãe, não deixe Papai Noel ir embora”!

“Peça que ele fique mais um pouquinho”!

Nada pude fazer atenuar o desencanto do menino.

Como ele, em velhos anos, talvez tenha feito quase igual. De repente me vi criança. No dia seguinte ao Natal.

Já me desencantei com muitas coisas. E continuo a me desencantar.

Creio que os encantos sobrepujaram os desencantos.

É o que desejo a todos, neste ano que começa. Que seus encantos sejam tantos, que os desencantos não consigam empanar o brilho do ano novo. Que dois mil e dezenove seja repleto de encantos. Mas, caso algum desencanto aconteça, não faça caso. Logo ele passa.

Nem sempre um dia ruim sucede a outrem. Nem todos os dias são iguais.

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