Final de um recomeço…

O fim do ano anunciava-se veloz para aquele rapazola nascido na roça.

Nada dava certo naquela vidinha singela.

A roça de milho não cresceu além do ponto. As espigas ficaram miúdas e logo caruncharam.

As poucas vacas que possuía acabaram de costelas a mostra por falta do que comerem. O leite minguou. A renda despencou.

Antenor, valente, guerreiro, acordou ao abrir o sol, abriu a janela, e deixou a claridade inundar aquele quartinho pequeno. O sol ofuscou-lhe as retinas com sua luz amarela brilhante. Lá fora o galo cantou. O casal de seriema passou numa velocidade tal que foi impossível olhar de perto para onde foram.

Naquela manhã, prenúncio de um novo dia, Antenor teve um sonho. Dos tantos que tinha durante as noites mal dormidas.

Sonhou que morava no paraíso. Naquela morada de sonhos tudo caminhava segundo sua vontade. A roça de milho ia às mil maravilhas. A vacada enchia latões de leite quentinho que era vendido a preço conveniente. A porcada engordava a olhos vestidos. A cada vez que procurava um ninho ali encontrava mais de dúzias de ovos prontos a serem vendidos. Tudo sorria a seu favor. O trator, recém-comprado, era alugado a vizinhos. Que lhe pagavam somas de dinheiro que ajudavam no sustento.

Acordou alegre. Logo a realidade mostrou a cara. Naquela manhã ensolarada a vaca melhor do curral não foi encontrada.

Antenor a procurou por todas as partes. Foi quando a Braúna foi encontrada parida de novo. A linda bezerrinha não resistiu ao parto. Acabou morrendo levando com ela a mãe. As duas foram enterradas num matinho ensombrado. Antenor rezou pela alma das duas. Pedindo ao Pai do Céu que de repente mudasse a situação aflitiva em que se encontrava.

Como a vida tinha de continuar o estoico homem da roça foi ao curral. Ordenhou o resto das vacas. Levou o leite de dois dias ao ponto onde o caminhão leiteiro deveria apanhar. Mas, naquele resto de manhã o caminhão não passou. O leite azedou. Mesmo assim o valente Antenor continuou a sua faina. Pois aprendeu, naqueles anos todos de vida na roça, que um dia ruim sucede a outro. Amanhã há de ser melhor.

O dia terminou como sempre. A chuva tão esperada não veio. As sementes de milho recém-inseridas a terra não nasceram. O prejuízo foi grande. As dívidas aumentavam ano após ano.

Antenor resolveu vender a propriedade. Afinal, como não tinha nenhuma formação profissional, quem sabe, mudando-se para a cidade a vida para ele mudaria.

Ali, trabalhador contumaz, logo encontraria trabalho. Não tinha experiência em outros serviços. Mas, com a fé que sempre foi dotado, alguma alma boa dele se compadeceria.

Juntou as economias de uma vida inteira dedicada ao trabalho, e se mudou pra cidade cheio de esperanças em dias melhores.

Só que nem de longe imaginava a desventura que encontraria.

Quem comprou seu pedaço de chão não pagou como prometido. Deu um cheque que não foi compensado na data prevista. Antenor, de boa fé, procurou um advogado que lhe cobrou uma importância além de suas posses. Acabou perdendo tudo. Mesmo assim persistiu na procura de emprego.

Passou dias, meses, um ano se foi.

Para Antenor nada dava certo. Sem dinheiro, sem ocupação, aquele homem bom terminou seus dias debaixo de um viaduto. Quando chovia Antenor acordava ensopado.

Numa manhã o pobre sem teto amanheceu resfriado. Daí a uma pneumonia foi um lapso de tempo curto. Antenor foi internado num hospital com febre alta. Em uma semana se viu no olho da rua. Saiu pior de quando entrou. Tossindo a quase sair o pulmão pela boca. Pálido, anemiado, Antenor continuou, por falta de opção, a perambular pelas ruas em busca de trabalho.

Um ano se passou. Antenor, com a barba crescida, aos quase quarenta anos parecia ter o dobro daquela idade. Alquebrado, mais magro que as vacas que possuía, foi achado sem documentos numa rua qualquer.

Foi preso por vadiagem. Passou dias na cadeia. Sentiu na pele a borduna do guarda. Apanhou como cachorro vadio. E dali saiu com duas costelas quebradas.

Quis a sorte que a vida do pobre Antenor mudasse para melhor. Comemorou seus cinquenta anos num asilo para idosos. Tudo parecia que sorte de novo lhe sorria. Afinal agora tinha onde morar. Não mais viveria a esmolar. Mais um sem teto a vagar pelas ruas, de mãos estendidas, pedindo uma moedinha para comprar pão numa padaria qualquer.

Antenor passou um ano naquela instituição meritória. Ali viveu o resto de vida, feliz por ter um lugar onde morar.

Aos quase oitenta anos Antenor faleceu. Quando lhe fecharam os olhos perceberam neles um sinal de contentamento.

Depois de tudo que ele passou, das agruras vividas, a morte para o pobre Antenor foi o final de um recomeço. Quem sabe noutra vida ele será mais feliz? E quantos Antenores existem por aí?

É triste constatar, que num país tão promissor, quantos desassistidos pela sorte mendigam pelas ruas. E uma minoria desfruta de contas bancárias fortunas tão grandes não mensuradas em reais. Advindas de negócios escusos. Quando isso vai mudar? A meu ver nunca…

 

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