Acertos e desacertos

Quem ainda não cometeu erros durante a vida? Quem ainda, depois de ver o tempo passar, com a rapidez que lhe é peculiar, percebeu, num instante, quantas vezes se equivocou, tomou o caminho errado, mas depois voltou atrás?

Comigo mesmo assim aconteceu.

Em criança, longe lá se vão os anos, quando me recusava a ir à escola, e era repreendido pelos meus pais, ignorava-lhes a admoestação, persistia em ir pelo caminho errado.

Por sorte, com a idade avançando, logo voltava no logro. E graças ao bom Deus enveredei-me pelo caminho certo. E me tornei a pessoa que hoje me vê, com bons olhos, espero.

Mas, quantos jovens, pobres jovens, ah, se soubessem o que eu sei, não erravam tanto. Seguiriam as recomendações dos seus pais. E não trilhariam o caminho errado. Perdendo o prumo da vida. Enveredando-se pelo caminho do mal.

Tive vários acertos vida afora. Todos eles inspirados nos meus pais.

Estudei até me formar em medicina. Escolhi a especialidade que melhor me convinha. Até hoje sou apaixonado pela cirurgia. Das vias urinárias é a que mais me fascina.

Acertei em escolher a família que até hoje me acompanha. É ela quem me sustenta nos momentos difíceis. Através dela me renovo. Graças aos meus netos me rejuvenesço. E muitos dizem que não aparento a idade que tenho.

Acertei ao me dedicar sempre às atividades físicas. Graças as minhas pernas fortes posso caminhar com desenvoltura. Correr quando posso. Nadar quando a temperatura enseja.

Mais acertos têm me acompanhado vida adentro. Tornei-me afável ao trato. Aqueles que me conhecem passaram a admirar minha simplicidade. Ando de ônibus para ir ao trabalho. E caminhado sempre quando a distância permite.

Acertei em tomar gosto pela literatura. Até hoje dezoito livros nasceram da minha lavra. Embora grande parte deles ainda continuem encaixotados o prazer em escrever todas as manhãs faz com que minha ansiedade se aquiete. Não me preocupo em vender livros. E sim com a satisfação que a leitura dos meus textos me traz.

Outros acertos fazem parte da minha história. Confesso que se me fosse permitido escolher em qual cidade morar pelo resto de vida que ainda tenho, seria em minha Lavras querida. Aqui me sinto em paz. Sou conhecido pelos amigos. Acredito que sou também respeitado pelos pacientes que amealhei, durante os mais de quarenta anos de medicina.

Acertei quando descobri que em gente da roça se pode confiar. Para eles um aperto de mão vale mais do que qualquer promissória com firma reconhecida em cartório. É gente simples, que por vezes evita o contato de minha mão. Por considerarem as suas ásperas e rudes. Quando em verdade considero o oposto o verdadeiro. Mal sabem eles por onde entra o dedo do urologista.

Acertei, e espero continuar no mesmo caminho, quando decidi, depois de anos intermináveis de trabalho duro, me desdobrando entre três hospitais, dar um tempo para pensar em mim. Agora faço apenas o que me da prazer. Acordo antes do cantar do galo. Escrevo via de sempre antes das oito. Atendo até antes das quatro da tarde. Para a seguir cuidar deste corpo ainda em forma, apesar de contar com quase setenta anos.

Reservo os sábados e domingos para o merecido lazer. Mas, se precisarem do médico que ainda vive dentro de mim estou pronto a ajudar. Mesmo em horas impróprias. Dizem que a medicina é a única profissão que não tem horas para o descanso. Daí o acerto da minha escolha. Que Deus me dê forças para continuar com saúde para trabalhar até quando a morte me venha buscar.

Equivoquei-me diversas vezes, nestes meus quase setenta anos de existência.

Quem ainda não olhou pra trás, em sua trajetória de vida, e concluiu que deveria ir por este caminho, mas em verdade o melhor seria seguir por outra trilha, não a escolhida anos antes?

Assim aconteceu comigo.

Os desacertos fazem parte dos nossos caminhos. Somos humanos, sujeitos a falhas e senões.

Quantas vezes errei por ser rápido demais em algumas consultas. Me arrependo quando assim procedi. Se errei no diagnóstico espero que não tenha influído no decurso da doença.

Cometi alguns equívocos nestes anos todos. Talvez tenham sido muitos. Concordo que errei.

No entanto, depois de viver tanto, ao me tornar sênior, não velho, aprendi a gostar da pessoa que me tornei.

Agora, graças ao aprendizado do tempo, aprendi a ouvir os reclames dos outros. Mais atento. Mais condescendente. Humanizei-me com o caminhar dos anos.

Tornei-me mais sensível as queixas dos pacientes. Não tanto afoito como era antes.

Espero, de coração aberto, que continue acertando mais durante do tempo que me resta.

Bem sei que os senões continuarão a existir. Mas, tomara que consiga descobrir, em tempo, por quanto tempo ainda, quando posso voltar atrás. E seguir adiante. Nesta minha caminhança por este planeta tão lindo. Retrocedendo nos desacertos, indo em frente nos acertos, até quando, não se sabe…

 

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