A culpa que não lhe cabe

Aquele menino inocente, nascido sem maldade na alma, conheceu a primeira namorada antes dos quinze anos.

Era uma menina sabida. Já andada na vida. Que já havia se engraçado com uma dúzia de coleguinhas, e com o primeiro deles perdeu o selo da virgindade.

Joaquim nasceu na roça. Aprendeu a lidar com o gado antes de ver crescer na face alguns fiapos de barba. Sabia como poucos carpir uma roça de milho. Amava a vida na roça. Pelas vacas tinha verdadeira adoração.

Ajudava ao pai, homem religioso, pele áspera, tostada pelo sol, mãos caludas acostumadas ao cabo da enxada, desde quando completou seus cinco aninhos.

Começou a frequentar a escola mais tarde. Era uma escolinha que hoje se tornou um monte de tijolos deitados ao chão. Aos nove anos Joaquim teve de deixar a escola. Mal aprendeu a escrever. Acontece que o pai caiu enfermo. E restou ao pequeno Joaquim a responsabilidade de cuidar daquela propriedade, resumida a alguns alqueires apenas. Mas tudo fazia com alegria. E viu aquilo tudo prosperar.

A mãe do pequeno Joaquim era uma mulher frágil. Sofria de asma e anemia. E passava todo o tempo na cama. Fazendo tricô, mal tendo forças para cuidar da casa. Era o valente menino que ajudava nas tarefas diárias. Ambos viviam sós. Já que não havia outra pessoa na família. Eram apenas os três.

Numa segunda-feira o pai de Joaquim se despediu da vida. Morreu durante o sono. Foi um enterro pouco concorrido. Apenas alguns parentes estiveram presentes ao velório.

A vida continuou indolente para Joaquim. Mal tinha tempo de namorar. Aos quase vinte anos teve um caso com uma rapariga que por lá apareceu. Foi a primeira vez que o jovem fez amor com uma mulher. Foi uma relação da qual se lembra sem saudades. Durou menos que uma chuva de verão.

Acontece que, aos doze anos, Joaquim acordou com uma dor intensa nos dois testículos. Eles amanheceram inchados. A bolsa escrotal anunciava uma enfermidade infecciosa. Foi uma orquite bilateral.

Desde então o pobre menino se viu livre dos órgãos reprodutores. Acabou roncolho dos dois lados. Poder-se-ia dizer eunuco ou castrado.

Mal sabia que havia ficado estéril. Não poderia ter filhos. Mas ignorava a fatalidade.

Anos depois, já casado com uma mocinha ingênua, o tempo passava, os anos corriam, e o pobre Joaquim mal sabia o que significava esterilidade. Nunca teve filhos com aquela mocinha ingênua.

Mas, reportando-me ao passado, aquela mesma fulaninha, com a qual Joaquim teve um caso, trouxe nos braços um menino. Afirmando que aquela criança escurinha era filho dos dois.

Joaquim, na inocência da sua bondade, acabou por aceitar a cria como se fosse sua. E, como a rapariga vivia de safadeza, queria por que queria uma pensão alimentícia, alegando que o filho era dele.

Joaquim, mesmo sem condições de assumir mais uma boca para alimentar, concordou em pagar a tal pensão enquanto a criança se emancipasse.

Anos se passaram. E o pobre rapaz continuava a pagar a pensão religiosamente em dia.

Ontem apareceu no ambulatório onde atendo duas vezes por semana um casal.

Eles assentaram-se à cadeira defronte a minha.

A mocinha, bem vestida, magricela como uma seriema faminta, foi quem começou a contar a razão da sua visita. O jovem, também desprovido de carnes, pouco falou.

“Doutor, meu marido fez um exame a semana passada. Trata-se de um espemograma. Gostaria que o senhor desse uma opinião sobre o resultado”.

Ao passar os olhos naquele papel logo conclui sobre a esterilidade definitiva do rapazola. Não havia nenhum espermatozoide para contar a história.

Acontece, assim que a mulher ouviu a minha explicação, desconfiada e ao mesmo tempo alegre pela constatação da infertilidade do marido, afirmou, sem papas na língua: “viu Joaquim! Não disse que aquela piranha deu um golpe em você! O filho que ela alega ser de vocês pode ser de todo mundo. Menos seu”!

Joaquim me agradeceu a consulta. Mais uma vítima de um conto do vigário. Trata-se de mais um caso típico de uma culpa que não lhe cabe.

 

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